23/04/2024

Brasil está atrasado na agenda e nas discussões sobre a COP30

Brasil está atrasado na agenda e nas discussões sobre a COP30

LULA COP 30 Foto Ricardo Stuckert PR

 

Líderes veem necessidade de elevar pressão sobre Brasília para a definição de prioridades.

O mundo convive hoje com grandes desafios. As mudanças climáticas mostram cada vez mais suas evidências; o planeta precisa de uma matriz energética mais limpa; boa parte da população mundial vive com o fantasma da insegurança alimentar, e tudo isso acentua ainda mais a desigualdade social.

Todas essas soluções passam pela agricultura, principalmente pela agricultura tropical. O Brasil, líder nesse setor, porém, não se preparou e não está se preparando adequadamente. As discussões devem abranger toda a América Latina e o Caribe, os principais exportadores de alimento do mundo.

Governo e setor privado precisam despertar para essas questões e aproveitar o momento especial que o país viverá nos próximos meses, quando sediará o G20, e em 2025, quando abrigará a COP30, em Belém (PA).

Essas conclusões são de 26 líderes de grandes empresas, associações, organismos internacionais, governo federal, instituições financeiras, produtores e pesquisadores que se reuniram em São Paulo em um encontro de reflexão e de busca de coalizão. O grupo voltará a se reunir com uma agenda e propostas mais concretas.

O evento, organizado pelo IICA (Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura) e pela FDC (Fundação Dom Cabral), teve a coordenação de Manuel Otero, diretor-geral do IICA, Izabella Teixeira, assessora do IICA para assuntos relacionados às COP29 e COP30 e ao G20, e Marcello Brito, coordenador do Centro Global Agroambiental na FDC.

As avaliações não são boas em relação ao tamanho dos desafios e das ameaças. É hora de o setor privado participar mais dessas discussões e colocar pressão em Brasília e nos organizadores desses eventos.

Faltam coisas básicas, como uma agenda realista e estratégica. Boa parte do setor produtivo, por desconhecimento ou por desinteresse, ainda se nega a ter um olhar mais apurado para desmatamento e resiliência climática. Ignora a realidade, mas já convive com as consequências.

O Brasil não está definindo pesquisas dentro de áreas de alta prioridade, como integração do ecossistema. Se o fizesse como política pública, estaria em outro estágio de desenvolvimento.

O país tem de ter uma visão de longo prazo e incluir nessa agenda itens como a ciência, a biodiversidade, recursos naturais e possibilidades energéticas.

Essas discussões começam, no entanto, por coisas primárias, como uma base de dados confiáveis, que o país não tem. Os dados são essenciais para a construção de estratégias futuras e para a demonstração do que já está sendo feito, inclusive na área de sequestro de carbono.

Para alguns, já há um processo em construção, mas ele não pode depender apenas do governo, mas da ciência, do setor privado, das instituições e da academia.

Sobre o clima, as discussões apontaram que a agropecuária deveria ser lembrada pela sua vulnerabilidade, mas as coisas sempre migram para novos obstáculos e dificuldades para ela.

A discussão deve ser não apenas climática mas abranger também o âmbito econômico. Como sede do G20, o Brasil vai colocar o tema em discussão, mas os resultados podem ser pouco práticos.

O G20 reúne países que detêm 80% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial, mas agrega também os Estados responsáveis por 80% das emissões. As questões econômicas são importantes, mas não necessariamente para os desenvolvidos.

O debate interno para as discussões sobre as diretrizes do país nesses encontros mundiais está muito atrasado, principalmente na agropecuária, fator-chave nessas discussões.

O Brasil precisa fugir do achismo e apresentar dados concretos, principalmente neste período de transformação climática, biológica e digital. Muitas vezes há um limite muito tênue entre ideologias e corrupção.

Na área de comércio internacional, falta organização. Os trabalhos são isolados e desordenados no país, enquanto os europeus colocam tudo no papel e dão continuidade.

Esse é um ponto essencial para o Brasil, país que tem um grande potencial para ajudar a resolver a insegurança alimentar no mundo.

Os brasileiros precisam aproveitar o G20 para colocar essas questões em discussão, uma vez que a OMC (Organização Mundial do Comércio) perdeu o poder de decisão.

É preciso buscar alternativas nessa agenda fragmentada, já que o protecionismo não tarifário cresce muito, inclusive na área ambiental. Exportadores de alimentos, os brasileiros têm muito a perder nessa volta do protecionismo.

Na questão energética, o Brasil teria muito a ganhar com o encaminhamento de uma pauta realista e consistente. Internamente, no entanto, ainda há muita coisa para ser resolvida.

Esse encaminhamento cabe também ao setor privado. O país está deixando de colocar as pautas certas nas discussões da transição energética, principalmente porque já tem o domínio de etanol, biometano, biodiesel, biogás e boas perspectivas no SAF (combustível limpo para aviação).

Sobre o SAF, o grupo apontou grandes possibilidades, mas a falta de dados é uma preocupação de como o combustível será produzido.

 

O potencial é grande, mas todo regramento ainda tem de ser definido, e o uso só ocorrerá quando o custo desse combustível se igualar ao do querosene de aviação, o que dificilmente vai ocorrer.

Sobre o tema, no entanto, há discordância no grupo. A produção de soja seria impossível no cerrado, e a ciência elevou o país a maior produtor mundial. A energia solar, tão distante de virar uma opção energética inicialmente, já é realidade. O SAF deve seguir o mesmo caminho.

Resíduos animais e de várias culturas poderiam substituir 70% do diesel consumido no país. A exploração não ocorre porque faltam pesquisas.

Biogás, biometano e biodiesel têm de ser mais bem aproveitados, mas a concepção dos motores de máquinas agrícolas e de caminhões vem do exterior, dificultando uma adaptação a esses combustíveis.

Um dos gargalos para o país é o capital. O dinheiro para investimentos de longo prazo tem de vir com custos adequados, mas a regulamentação prejudica países como o Brasil e os em desenvolvimento.

Faltam regras claras na redução de carbono, o que faz com que as instituições criem métricas próprias na concessão dos financiamentos aos projetos.

O país precisa avaliar, porém, quais trilhas tecnológicas fazem sentido para o desenvolvimento e fazer análises contínuas desse modelo.

Há um alerta também para os cuidados com as tecnologias que vão ser escolhidas. As empresas lá fora já estão buscando fórmulas muito mais avançadas para o sequestro de carbono. O país não pode investir em tecnologias ultrapassadas.

Um processo em andamento há muito tempo, a rastreabilidade mostra ineficiências e é um dos gargalos na sustentabilidade. O país não consegue informações mínimas para discutir e mostrar as estratégias.

Não adianta falar de mudanças da narrativa se o país não consegue criar os meios para que possam ser comprovadas de onde vêm as commodities que exporta. Clientes e investidores querem informações, mas as empresas têm dificuldades em mostrar.

Sustentabilidade e rastreabilidade são sinônimos. Se não houver pagamento por isso, é custo. Sem remuneração adequada pelo produto rastreado, vira custo, e o produtor não adota. O país precisa gerar evidências, porque, além de produto, vende imagem e rastreabilidade.

A dificuldade na montagem de indicadores confiáveis é grande. A definição do rebanho brasileiro é um exemplo. A diferença entre os 180 milhões divulgados por entidades privadas e os 220 milhões de organismos do governo representa praticamente o montante das emissões do setor industrial.

Em um próximo encontro, o grupo espera apresentar dados concretos e a estratégia do Brasil nesses eventos, levando em consideração que as decisões na COP viram lei internacional, mas as do G20 são apenas recomendações (Folha, 23/4/24)