08/05/2024

Contra acordo, Áustria busca aproximação com Brasil descolada do Mercosul

Contra acordo, Áustria busca aproximação com Brasil descolada do Mercosul

O ministro austríaco Martin Kocher, em foto de junho de 2022. - Leonhard Foeger-01.Jun.22

 

Ministro austríaco diz à Folha que países não devem esperar por um acordo que pode não chegar.

O ministro do Trabalho e da Economia da Áustria, Martin Kocher, defende a aproximação comercial entre seu país e o Brasil apesar do bloqueio nas negociações do acordo da União Europeia com o Mercosul.

A Áustria é um dos países da UE mais refratários ao avanço do tratado comercial, tendo aprovado ainda em 2019 uma legislação que obriga qualquer governo em Viena a trabalhar contra a sua implementação.

"Uma das razões da minha visita [ao Brasil] é mostrar que, apesar da situação com o Mercosul, acredito que podemos trabalhar juntos de forma muito próxima economicamente —reforçando nossos laços de exportação e importação", disse Kocher em entrevista à Folha, durante sua passagem pelo Brasil no mês passado.

"Isso não significa que o acordo com o Mercosul não deve ser discutido, nós devemos encontrar meios de lidar com a situação. Mas há formas de avançar [nas relações econômicas] sem o [acordo] com o Mercosul. Não devemos retrair-nos ou esperar muito tempo por um acordo que pode não chegar tão rapidamente como algumas pessoas gostariam. Vamos fazer o que é possível juntos, e essa é a razão da minha visita. Não sou o único representante europeu ou o único ministro da minha área visitando o Brasil, então acho que é um sinal claro".

A Áustria é um dos países na UE com posição mais ambivalente em relação à Guerra da Ucrânia. Embora afirme que Kiev é vítima de uma agressão de Moscou levada adiante sem provocação, o país se declara neutro, mantém laços comerciais com a Rússia e tem sido relutante em apoiar sanções —o último pacote só recebeu o aval de Viena depois que um banco austríaco foi retirado de uma lista ucraniana chamada de patrocinadores internacionais da guerra.

Sobre esse tema, Kocher afirma que aqueles que esperavam que as sanções fariam a economia russa colapsar estavam equivocados, mas diz que o objetivo das medidas não era esse.

"As sanções foram sempre dirigidas especificamente contra indivíduos e empresas que apoiaram a guerra de agressão. Acho que elas são absolutamente legítimas. O objetivo é que elas [sanções] impeçam a entrega de tecnologia à Rússia que pudesse ajudá-la a lutar essa guerra".

Kocher esteve em Brasília e em São Paulo. Depois, seguiu para Buenos Aires, onde terminou seu roteiro sul-americano.

Na capital do Brasil, encontrou-se com o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que acumula as funções de ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, com os ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), e Luiz Marinho (PT), do Trabalho, e com o chanceler Mauro Vieira.

O ministro austríaco avalia, ainda, que o eventual aumento de partidos extremistas no Parlamento Europeu, a partir das eleições previstas para junho, pode ser problemático para a economia do bloco. Mas aposta que as siglas tradicionais conseguirão mais uma vez formar coalizões para evitar que forças radicais não influenciem na agenda econômica da UE.

"Claramente uma posição de extrema direita fortemente representada no Parlamento Europeu é contra os interesses da economia europeia, porque pode haver um maior foco para temas internos e uma menor abertura ao comércio. A Áustria, por exemplo, é uma das nações exportadoras mais fortes do mundo, cerca de 60% do nosso PIB (Produto Interno Bruto) é de exportação. Então, claro, se partidos extremistas forem eleitos para o Parlamento Europeu, será problemático nesse aspecto", avalia.

"Por outro lado, não estou vendo esse cenário. Atualmente, há muitos partidos de centro no Parlamento Europeu. E há partidos de direita que são moderados na sua abordagem. Acredito que o próximo Parlamento não terá muito mais membros extremistas do que hoje em dia".

Um dos focos da missão do ministro austríaco foi discutir com autoridades em Brasília o potencial do país em relação a hidrogênio verde.

 

Considerado o combustível do futuro, o hidrogênio verde é a versão sustentável do gás, usado para abastecer veículos movidos a células de combustível e armazenar energia produzida por fontes renováveis, além de servir de matéria-prima para produtos da indústria de aço, farmacêutica e de metais.

"A Áustria tem uma estratégia de hidrogênio e nós vamos ter nossa própria capacidade para produzir hidrogênio verde, mas também teremos que importar uma parcela considerável, principalmente para produção altamente intensiva em energia", diz Kocher.

"Então, estamos procurando por parceiros que tenham as condições geográficas e ambientais que os façam ideais para a produção de hidrogênio verde. O Brasil, claro, é um parceiro natural apesar da distância." (Folha, 8/5/24)