10/05/2024

Futuro é elétrico no segmento de carros de luxo,diz presidente da Mercedes

Futuro é elétrico no segmento de carros de luxo,diz presidente da Mercedes

Carlos Garcia, presidente da Mercedes-Benz Cars & Vans do Brasi Foto Blog Revista dos Transportes-Reprodução

Carlos Garcia diz que empresa faz transição para híbridos no Brasil, mas não terá motor flex novamente.

A Mercedes-Benz Cars & Vans tem vida própria desde 2021, quando um rearranjo global a separou da divisão de ônibus e caminhões, a Daimler Truck. No Brasil, a mudança incluiu uma nova sede, localizada no Jabaquara (zona sul de São Paulo).

Foi na sala de reuniões desse escritório que Carlos Garcia, presidente da Mercedes-Benz Cars & Vans do Brasil, falou à Folha sobre o momento da empresa, a onda de eletrificação, o fechamento de fábricas e a chegada das marcas chinesas. "No dia em que uma empresa chinesa tiver 138 anos de história, nós vamos ter 276."

A Mercedes tem uma estratégia bastante agressiva de eletrificação, mas, no Brasil, a falta de infraestrutura é um problema. Como a empresa avalia esse cenário?
Quando nós falamos de eletrificação, não falamos só do carro totalmente elétrico. Falamos também dos híbridos leves, dos plug-ins. Hoje, se analisarmos todo o nosso portfólio aqui no Brasil, basicamente 98% dos nossos veículos já são eletrificados. Temos um portfólio vasto, bem amplo.

Em relação aos híbridos plug-in [que podem ser recarregados na tomada], a empresa vai acelerar essa estratégia? Até então, parece que a Mercedes está mais focada nos carros 100% elétricos.
Os veículos plug-in estão disponíveis a nível mundial. Agora, para o Brasil, nós tínhamos tomado a decisão de continuar ainda com os ICEs [carros equipados apenas com motor a combustão interna], mas fazendo toda a transição para o híbrido —basicamente, o híbrido leve.

Quanto às opções plug-in, só vamos aplicar, a princípio, nas nossas versões esportivas. Basicamente, buscando esportividade, não autonomia.

A Mercedes chegou a produzir no Brasil modelos com tecnologia flex, que foram descontinuados. Essa solução não interessa para o segmento premium? Por que houve essa mudança de estratégia?
Para o nosso segmento, nós acreditamos que o futuro vai ser elétrico.

A Volvo anunciou recentemente a produção de seu último carro de passeio a diesel, um XC90. A Mercedes também tem planos de encerrar a produção de veículos a diesel, ou trabalha com a atualização desses motores para que sejam mais eficientes?
Tecnicamente, temos que cumprir todas as regras, sejam europeias, chinesas, americanas ou brasileiras —que, de uma forma ou de outra, são um misto de todas as legislações. A princípio, nós vamos continuar no desenvolvimento de todos os motores.

O que estamos avaliando é em que momento vai ocorrer, efetivamente, a transição para o elétrico. Eu falo sempre do [plano] Ambition 2039, onde vamos neutralizar toda a emissão de CO2 dentro da nossa cadeia. No Brasil, eu acredito que todos os investimentos também serão feitos e, em breve, teremos outra situação de infraestrutura.

As novas tecnologias, normalmente, nascem no nosso segmento. Depois, começam a entrar nos segmentos mais massivos.

Por não oferecer opções flex —disponíveis nas concorrentes BMW e Land Rover—, a Mercedes pode ser prejudicada pelas regras tarifárias do programa Mover [Mobilidade Verde e Sustentabilidade]. Isso é visto como um problema para a empresa?
Dentro daquilo que já estivemos avaliando, não teremos nenhum impacto significativo. Os nossos motores, basicamente, são todos eletrificados. Temos que cumprir alguns índices de eficiência geral dentro da nossa frota e estamos cumprindo, de forma bem tranquila, tudo aquilo que está sendo definido.

 

A estratégia atual da Mercedes passa por posicionar seus produtos em uma faixa de preço ainda mais alta. A empresa tem algum objetivo de voltar a concorrer em uma fatia mais acessível, como já ocorreu na época da fabricação nacional de carros de passeio?
Quando nós avaliamos todo o mercado, vemos que esse não é só um movimento da Mercedes. E nosso produto sempre teve, por si só, um posicionamento de luxo.

Se compararmos o Classe A anterior com o modelo de hoje, estamos falando de outras características, outra linha, outro design. Primeiro, queremos atender a um mercado mais jovem, rejuvenescer toda a nossa base e ser muito mais atrativos dentro desse segmento. Para nós, isso é algo que vai ser natural.

Mas rejuvenescer a marca com carros mais caros não é meio incongruente, já que, geralmente, quem tem mais renda tem mais idade também?
Não necessariamente. A bilionária mais jovem na lista da Forbes tem 19 anos e é acionista do grupo WEG. Hoje, há muitas startups unicórnios que foram criadas por pessoas que têm 19 ou 20 anos.

Se eu olho para o mercado financeiro, se eu olho principalmente para as novas tecnologias, vejo que o dinheiro está em uma escala totalmente diferente, tem uma distribuição diferente. Temos que atender a toda essa gama.

A Mercedes, por duas vezes, teve linhas de produção de carros de passeio no Brasil. A montagem, contudo, durou poucos anos em ambas, o que é considerado um fracasso do ponto de vista industrial. Como a empresa avalia essas experiências?
Eu não considero isso um fracasso, depende muito do ponto de vista. A indústria automobilística precisa de previsibilidade, esse é o ponto principal.

Toda vez que se altera a regra do jogo, temos que reagir em cima da regra que foi alterada. Meu jogo é um jogo de xadrez, se alguém mexer algumas peças do tabuleiro, eu também tenho que me movimentar.

E não foi só a Mercedes que se movimentou dentro do mercado brasileiro, outras empresas se movimentaram e definiram qual seria o melhor caminho para elas.

A partir do momento em que alguém define a regra, eu tenho que saber para que lado estaremos caminhando, e nós fizemos isso. Eu acho que, a partir do momento que eu tenho previsibilidade, eu tenho segurança jurídica de como as coisas vão caminhar.

Nossos clientes estão recebendo, hoje, a linha totalmente renovada, do Classe A até o Classe S. O nosso concessionário também está investindo, acredita na marca junto conosco. Estamos trazendo aquilo que é mais novo e tecnológico para o mercado brasileiro.

 

Falando em tecnologia, os chineses têm ganhado muito mercado com foco em soluções tecnológicas para os veículos, e foi uma montadora chinesa, a GWM, que ficou com a fábrica de Iracemápolis [interior de São Paulo]. A Mercedes-Benz enxerga essas empresas como possíveis concorrentes no futuro, ou elas vão continuar brigando com as marcas generalistas?
Do meu ponto de vista, vão continuar brigando com as generalistas. Óbvio, sempre vai ter uma ou outra migração dentro do segmento, mas no dia em que uma empresa chinesa tiver 138 anos de história, nós vamos ter 276. A história não se apaga do dia para a noite. Do mesmo jeito que nós inventamos o automóvel, nós estamos também nos reinventando.

Como o senhor vê a Mercedes no mercado brasileiro nos próximos dez anos?
Continuamos investindo, passamos por um processo forte de transformação. A Mercedes-Benz Cars & Vans, hoje, é uma empresa distinta da Mercedes-Benz do Brasil, que é responsável por toda a parte de produção de caminhões e ônibus. Isso mudou a nível mundial.

O ano passado foi fortíssimo em investimentos, acreditamos no país. Investimos mais de R$ 80 milhões na cidade de Limeira [interior de São Paulo], onde montamos a nossa base de distribuição do centro logístico.

Temos mais de 20 mil metros quadrados com mais de 60 mil itens estocados para abastecer tanto a rede de automóveis quanto a rede de veículos comerciais, que vende a [van] Sprinter. Fora os investimentos que nós fizemos em Cariacica [ES], por onde recebemos toda a importação tanto de vans quanto de automóveis.

Renovamos toda a nossa linha. Dentro do nosso portfólio, desde 2019 até hoje, nós estamos falando em mais de R$ 60 bilhões para que pudéssemos colocar à disposição todos os veículos 100% elétricos, que também já estão disponíveis aqui no mercado brasileiro. Ajustamos a base e agora nós estamos voltando de novo para um eixo de crescimento.

O senhor usa um carro elétrico no seu dia a dia?
Uso um híbrido.

Qual?
Eu uso um GLE 63 AMG.

É um híbrido leve. Pretende usar algum 100% elétrico?
Alguns dos nossos funcionários já utilizam veículos elétricos. E por que eu utilizo o GLE? Porque nós temos que trabalhar em duas frentes, de um lado é preciso subir a participação dos nossos AMGs, então estou utilizando um topo de linha, acima dele no mercado brasileiro só tem o G63 —que nós trazemos poucas unidades, mas ainda tem espera.

Mas não sinto nenhuma restrição para andar com veículos elétricos, nós estamos inclusive aumentando a nossa base de instalação com mais carregadores.

RAIO-X

Carlos Garcia, 59
Paulistano, morou por muitos anos em São Bernardo do Campo (ABC), onde fica a fábrica de caminhões e ônibus da Mercedes-Benz. Garcia entrou na empresa em 1988 como estagiário e passou por diferentes cargos e países até chegar ao posto de presidente da divisão de carros e vans no Brasil. Iniciou a formação em engenharia industrial na FEI (Fundação Educacional Inaciana) e concluiu os estudos na Universidade Santa Cecília (Folha, 10/5/24)