23/04/2024

Gilmar suspende ações sobre lei do marco temporal e tenta costurar acordo

Gilmar suspende ações sobre lei do marco temporal e tenta costurar acordo

O ministro Gilmar Mendes, do STF - Gustavo Moreno - 4.abr.2024 SCO STF

 

Decisão de ministro paralisa processos e será levada para plenário do STF.

O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), decidiu nesta segunda-feira (22) suspender todas as ações na Justiça que tratem da lei do marco temporal das terras Indígenas, aprovada no ano passado pelo Congresso em reação à corte.

Ele decidiu, ainda, iniciar um processo de conciliação a respeito do reconhecimento, demarcação e uso das terras indígenas no país.

O ministro determina que entidades que entraram com ações no Supremo a respeito do tema, como partidos políticos, além do presidente Lula (PT), dos presidentes da Câmara e do Senado e a PGR (Procuradoria-Geral da República) apresentem, em 30 dias, "propostas no contexto de uma nova abordagem do litígio constitucional discutido nas ações".

A decisão de Gilmar será levada para apreciação dos demais 11 ministros do Supremo.

Em nota, o gabinete do ministro afirmou que "para além do aspecto da segurança jurídica, a decisão salienta, sobretudo, a necessidade de que o conflito social subjacente à temática do art. 231 da Constituição seja efetivamente pacificado".

 

Na sua decisão, Gilmar aponta que considera "importante registrar que, para sentar-se à mesa, é necessário disposição política e vontade de reabrir os flancos de negociação, despindo-se de certezas estratificadas, de sorte a ser imperioso novo olhar e procedimentalização sobre os conflitos entre os Poderes, evitando-se que o efeito backlash seja a tônica no tema envolvendo a questão do marco temporal".

Suely Araujo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, entende que a movimentação no processo dá ao tema a relevância que ele merece, mas critica que a lei siga em vigor, não tendo sido suspensa até aqui.

"Esperamos realmente que esse processo caminhe logo para consolidar a rejeição à tese do marco temporal de forma clara e peremptória, sem abertura para flexibilizações em relação aos direitos das populações indígenas. Há direitos que não são negociáveis", afirma.

Mauricio Terena, coordenador jurídico da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), critica a decisão.

Ele afirma que o ministro demorou para se debruçar sobre o tema e, mesmo com o despacho, seguiu sem analisar o mérito da questão e sequer reconheceu a decisão do próprio STF, que em 2023 derrubou a tese do marco temporal.

"Ele coloca essa pauta para a negociação e é importante salientar que o direito dos povos indígenas, assim como disse o ministro Edson Fachin, são direitos fundamentais, portanto não são passíveis de negociação", afirmou.

Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental e crítica ao marco disse que a demora do Supremo em decidir sobre eventual derrubada da lei "transmite a mensagem de que as terras indígenas podem ser desfeitas, o que aumenta invasões e violências contra seus povos".

"A insegurança jurídica causada pela lei precisa ser encerrada e definitivamente superada pelas instituições e pela sociedade", afirma.

A lei que trata do marco temporal foi promulgada em dezembro passado pelo presidente do SenadoRodrigo Pacheco (PSD-MG), depois que o Parlamento derrubou os vetos de Lula ao projeto. A medida foi uma vitória da bancada ruralista, que defende que tal determinação serve para resolver disputas por terra e dar segurança jurídica e econômica.

Partidos como PSOL e Rede, além da Apib, apresentaram pedido ao Supremo para suspender a lei.

O texto foi aprovado pelo Legislativo como resposta à decisão do STF que julgou inconstitucional a tese de que devem ser demarcados os territórios considerando a ocupação indígena em 1988, data da promulgação da Constituição.

Na ação, os partidos e a Apib pediam que a lei fosse declarada inconstitucional e que fosse "dada a interpretação conforme a Constituição de 1988 aos artigos 231 e 232 —que os direitos territoriais dos povos indígenas são direitos fundamentais e portanto cláusulas pétreas".

Os partidos também sugeriam, como medida cautelar, a suspensão da lei até o julgamento definitivo do STF sobre o caso.

Outros partidos, como PP, PL e Republicanos, fizeram ao Supremo o pedido contrário: que reconheça a constitucionalidade da lei aprovada pelo Congresso.

No último dia 11, a PGR pediu que o STF suspenda imediatamente diversos trechos da lei. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, defende que sejam invalidadas as normas que possibilitam a ocupação, o domínio, a posse e a exploração de terras indígenas e das riquezas nelas presentes por terceiros não indígenas.

Gonet argumenta que essas normas contrariam o direito dos indígenas à posse permanente e ao usufruto exclusivo de suas terras, previsto na Constituição Federal.

 

EM CARTA, INDÍGENAS RELACIONAM TESE AO AUMENTA DA VIOLÊNCIA

No primeiro dia do ATL (Acampamento Terra Livre) 2024, nesta segunda-feira (22), movimentos indígenas redigiram uma carta endereçada aos três Poderes, na qual cobram medidas urgentes que assegurem a proteção e o fortalecimento dos direitos dos povos originários, principalmente em relação à demarcação de territórios.

O ATL é a maior mobilização dos povos indígenas do país. Ao longo da programação, que segue até sexta-feira (26) em Brasília, a organização tem expectativa de reunir um público de mais de 10 mil pessoas. Neste ano, o presidente Lula (PT) não foi convidado a participar do evento em meio a insatisfação com a condução das pautas indigenistas em seu governo.

Conforme o documento assinado pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e organizações regionais de base, as ameaças da tese do marco temporal aos territórios, culturas e direitos persistem, reforçadas pelo contexto do ano mais quente já registrado na história, o que evidencia a contínua emergência indígena.

"A nova lei proporciona a ‘legalização’ de crimes e premia os invasores dos territórios. Apenas no primeiro mês da lei nº 14.701/2023, a expansão do agronegócio e o arrendamento de terras para monoculturas e garimpo causaram nove assassinatos de indígenas e 23 conflitos em territórios localizados em sete estados e cinco biomas", diz o texto.

Na terça (23), uma caminhada seguirá do acampamento, montado no Eixo Cultural Ibero-americano, até o Congresso Nacional para apresentar carta. As ministras Sônia Guajajara (Povos Indígenas) e Marina Silva (Meio Ambiente e Mudanças Climáticas) são esperadas para falarem no trio elétrico que conduzirá a marcha (Folha, 23/4/24)