10/05/2023

Amazônia em pé vale 7 vezes mais do que lucro de exploração

Região da Amazônia Legal abarca nove Estados brasileiros e é maior em área do que a União Europeia. Foto- Herton Escobar-Estadão - 07-10-2017

Região da Amazônia Legal -Foto- Herton Escobar-Estadão - 07-10-2017

 

Preservação da floresta é estimada em, ao menos, R$ 1,5 trilhão por ano, segundo relatório; valor da exploração chega a até US$ 98 bilhões ao ano.

O valor de manter a Floresta Amazônica em pé é cerca de sete vezes superior ao lucro que pode ser obtido através de diferentes atividades de exploração econômica da região. A informação consta de relatório divulgado nesta terça-feira, 9, pelo Banco Mundial, sobre o desenvolvimento na região da Amazônia Legal. A estimativa considera que a preservação da floresta vale, ao menos, US$ 317 bilhões por ano – o equivalente a R$ 1,5 trilhão.

“Em termos econômicos, o desmatamento é uma enorme destruição de riqueza, ameaça o clima global, ameaça a extraordinária biodiversidade e formas de vida e comunidades tradicionais”, afirma o economista Marek Hanusch, que é líder e coordenador do relatório “Equilíbrio delicado para a Amazônia Legal Brasileira – um memorando econômico”, publicado pela instituição internacional. “Chegamos a um mínimo estimado. É um mínimo de serviços que a Amazônia proporciona”, diz ele sobre a cifra de US$ 317 bilhões anuais.

 

No documento, os economistas do Banco Mundial se posicionam de maneira favorável a salvaguardas ambientais estabelecidas no acordo negociado entre União Europeia e Mercosul, criticam incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus e dizem que o aumento de produtividade da economia nacional é o caminho para garantir a preservação ambiental e a melhora das condições de vida da população local.

A conta do valor da floresta preservado inclui US$ 20 bilhões anuais estimados em serviços ecossistêmicos só na América do Sul – isso considera, por exemplo, as chuvas para agricultura na região. O maior montante vem do papel da região como sumidouro de carbono (calculado em US$ 210 bilhões).

Outros US$ 10 bilhões anuais vêm do chamado “valor de opção”, que é a prospecção associada a inovações farmacêuticas baseadas em recursos genéticos, dada a biodiversidade da floresta. Mais US$ 65 bilhões são calculados para “valor de existência”, que consiste na proteção da cobertura florestal e da biodiversidade por si só. Isso é avaliado por meio de pesquisas amostrais com a população global que medem o valor atribuído à preservação da Floresta Amazônica para gerações futuras.

Os dados, segundo os pesquisadores, foram considerados de maneira conservadora no relatório. A maior parte do valor, ainda de acordo com o estudo, refere-se a um “valor de bem público global”. Segundo o relatório, o desmatamento é uma “redistribuição ineficiente de riquezas públicas para o privado”.

Do outro lado, para o cálculo da exploração da floresta é considerada a hipótese de a área tropical ser eliminada, com substituição por outra atividade, especialmente agropecuária e florestas plantadas – que têm valor de biodiversidade menor. Segundo o documento, o custo de oportunidade total da exploração da floresta, avaliado de forma muito menos conservadora, fica entre US$ 43 bilhões (R$ 215 bilhões) e US$ 98 bilhões (R$ 490 bilhões) por ano.

 

Se uma área de 20% a 35% da Amazônia fosse convertida em culturas de alta produtividade ou pastagens, com retorno líquido anual de até US$ 750 por hectare, o valor agrícola total atingiria até US$ 75 bilhões por ano. A estimativa, segundo o próprio relatório, pode estar exagerada.

No caso da extração de madeira não sustentável, a estimativa de lucro anual é de US$ 10 bilhões. Já na atividade de extração mineral, a previsão do valor líquido é de US$ 8 bilhões por ano, nos últimos anos.

Desenvolvimento econômico

“No curto prazo, é crítico ter uma política ambiental muito forte para reduzir o desmatamento. No médio e longo prazos, no entanto, argumentamos que o Brasil e a Amazônia precisam de um modelo de crescimento diferente”, afirma o economista Marek Hanusch.

O relatório argumenta que o desmatamento é parte do modelo de desenvolvimento do Brasil e da Amazônia Legal. Para conter o desmatamento e propiciar aumento de riqueza para a população da região, segundo os pesquisadores, o País tem de mudar seu motor de crescimento, reduzir o foco na expansão da fronteira agrícola, chamado de arco do desmatamento, e aumentar a produtividade dos outros setores: indústria e serviços.

No documento, os pesquisadores sustentam que, quando a produtividade no Brasil cresce, há menos desmatamento na Amazônia Legal, ao comparar a trajetória de ambos de 1996 a 2021.

“Este relatório é sobre a proteção da Floresta Amazônica, que depende fundamentalmente da implementação de políticas ambientais eficazes, e também da garantia de que as pessoas que vivem na floresta possam continuar a melhorar suas vidas. O relatório se pergunta como o Brasil pode promover um equilíbrio tão delicado? A resposta é que não (será) com o modelo atual de desenvolvimento. Porque esse modelo se sustenta da extração insustentável de riquezas da floresta, derrubando-a e convertendo-a em terras agrícolas”, afirma Johannes Zutt, diretor do Banco Mundial para o Brasil.

“Esse modelo contrapõe as pessoas à natureza, destruindo muito mais riquezas do que cria. Esse modelo continua a aproximar a Amazônia de um ponto de inflexão, após o qual a floresta perderá a capacidade de gerar chuvas suficientes para se sustentar e também não oferece muitos benefícios aos 28 milhões de residentes da Amazônia Legal”, afirma Zutt.

A região da Amazônia Legal abarca nove Estados brasileiros, 28 milhões de habitantes e abriga 60% da Floresta Amazônica, além de partes do cerrado e do Pantanal. O território é maior em área do que a União Europeia.

O relatório também destaca que, além de impactos econômicos e políticos ligados ao desmatamento na região, a inação sobre a preservação da floresta “também resulta em progresso social mais lento”.

“Na maioria dos Estados amazônicos, especialmente os mais remotos, a pobreza estagnou ou aumentou nos últimos anos”, aponta o estudo. A região da Amazônia Legal abriga 380 mil indígenas, cujas condições de vida, segundo o Banco Mundial, são piores do que as do restante da população.

A maioria (76%) das pessoas na Amazônia Legal já vive em áreas urbanas, mas a pobreza rural, segundo o relatório, é mais severa. Em 2019, segundo os dados coletados, praticamente 46% da população pobre que vive em áreas rurais defecava a céu aberto.

“O modelo de desenvolvimento brasileiro e a incapacidade de aumentar produtividade têm impacto no desmatamento na Amazônia Legal. O Brasil precisa aumentar a produtividade. É crítico”, afirma Hanusch.

Estão entre as recomendações feitas pelo banco uma reforma nos incentivos à agricultura extensiva, com alteração tributária e no crédito rural. Também é apontada a necessidade de fortalecimento da fiscalização na região da Amazônia Legal, da bioeconomia e da proteção social na região.

O Banco Mundial avalia haver oportunidades para financiar a preservação da Amazônia através de doações, financiamento de instituições internacionais, instituições domésticas, da implementação de um mercado de carbono e de títulos verdes (green bonds).

Acordo UE-Mercosul

Os economistas do Banco Mundial alegam que acordos comerciais podem gerar riscos maiores para o desmatamento na área da Amazônia. Ao tratar especificamente do acordo entre União Europeia e Mercosul, os pesquisadores responsáveis defendem “salvaguardas ambientais”, que são estabelecidas pelos europeus.

“Várias salvaguardas ambientais destinam-se a reduzir os impactos desse acesso aprimorado ao mercado sobre o desmatamento”, diz o relatório, que sustenta ainda que “os efeitos dessas salvaguardas variam conforme o caso: é importante que elas sejam implementadas e aplicadas adequadamente”.

“Os acordos comerciais que incluem a liberalização agrícola continuarão a representar um risco para a conservação das florestas da Amazônia até que a maturidade econômica e institucional esteja suficientemente avançada”, sustenta o Banco Mundial.

O acordo de livre comércio entre os dois blocos foi firmado em junho de 2019, depois de duas décadas de negociação. A conclusão completa do texto ficou travada nos últimos anos, pois os europeus resistiam em tratar com o governo Jair Bolsonaro, diante da piora nos índices de desmatamento na Amazônia.

Os sinais de boa vontade dos dois lados para tirar o acerto do papel foram dados no início deste ano, com o estabelecimento de um cronograma para encerrar até julho todas as pendências. Em março, no entanto, a União Europeia enviou ao Mercosul um protocolo adicional, com novas condicionantes no campo ambiental. O movimento foi considerado “desbalanceado” por Brasília. O Mercosul ainda deve apresentar, ainda neste mês, uma resposta sobre o tema para a União Europeia.

Marek Hanusch afirma que a liberalização comercial tem impacto no uso da terra, mas diz que o ganho de competitividade com um acordo pode compensar eventuais riscos ambientais – se houver uma política rigorosa de combate ao desmatamento em vigor.

“Se um país ou região se abre para commodities agrícolas brasileiras vai, tecnicamente, aumentar a demanda por produção agrícola e aumentar a demanda por uso de terra agrícola. Esses são precisamente os mecanismos que aumentam o desmatamento. Se tivermos uma política de proteção ambiental muito forte, isso não será um grande problema, porque o desmatamento será contido”, afirma.

Ele também diz que a exigência de certificação dos produtos exportados é uma forma de evitar o consumo de produtos fruto de desmatamento. No mês passado, o Parlamento Europeu aprovou, com ampla maioria, uma legislação que impede que produtos oriundos de áreas florestais que foram desmatadas a partir de 1º de janeiro de 2021 sejam vendidos nos 27 países que integram a União Europeia. A nova regra será aplicada para importação de gado, café, cacau, soja, madeira, borracha, óleo de palma e derivados, como couro, móveis de madeira, carvão e papel impresso.

“Combinar liberalização da produção agrícola e a abertura comercial pode, eventualmente, promover aumento de produtividade e, na média, reduzir o desmatamento”, diz Hanusch.

Zona Franca

O relatório também critica a Zona Franca de Manaus. No texto, os economistas do Banco Mundial apontam que os incentivos fiscais “não ajudaram a estimular o crescimento da produtividade” e, por isso, devem ser reavaliados.

“Apesar do alto custo fiscal, o Amazonas vem perdendo competitividade, e encontra cada vez mais dificuldade para atrair novas empresas”, diz o relatório.

“Claramente, oferecer mais incentivos fiscais para as empresas não é a solução, porque isso introduz distorções que incentivam as empresas a se instalarem em lugares onde, de outra forma, não se instalariam e resultam em produtividade reduzida — exatamente o oposto do que um modelo de crescimento com foco na produtividade tentaria alcançar. Em vez disso, Manaus deve se concentrar mais em alavancar suas significativas capacidades urbanas, gerando um clima de negócios propício”, afirma o documento (O Estado de S.Paulo, 10/5/23)


Produtividade urbana da Amazônia pode desacelerar desmatamento

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Estudo defende reformas no crédito rural e aponta incentivos ao desmate em impostos.

Para além da produtividade agrícola —uma aliada conhecida do combate ao desmatamento, à medida que inibe a expansão de terras—, o Banco Mundial propõe a produtividade urbana na Amazônia como estratégia para desacelerar o desmate, promovendo, ao mesmo tempo, desenvolvimento regional e nacional.

"Investir em infraestrutura urbana para reduzir as disparidades no padrão de vida em polos econômicos e de serviços, aumentando a competitividade das cidades como polos econômicos regionais", recomenda o memorando econômico "Equilíbrio Delicado Para a Amazônia Legal Brasileira", publicado nesta terça-feira (9) pelo Banco Mundial.

"Uma ênfase maior na produtividade, principalmente em outros setores (que não estejam ligados à produção de commodities), impulsionaria o desenvolvimento em todo o país e ajudaria a fortalecer as economias da Amazônia, ao mesmo tempo que diminuiria a pressão sobre as florestas naturais", afirma Johannes Zutt, diretor do Banco Mundial para o Brasil.

O estudo identificou 20 potenciais polos econômicos na Amazônia Legal, definidos com base em critérios como população, distância e a atratividade de pelo menos outras cinco cidades.

Além das nove capitais dos estados da Amazônia Legal, os polos econômicos incluem a capital do Piauí, Teresina (que fica próxima à fronteira com o Tocantins) e outras dez cidades de maior porte econômico da região.

"Belém, Imperatriz, Palmas, São Luís e Teresina parecem ter os melhores recursos espaciais, pois estão em municípios muito mais próximos dos mercados e apresentam densidades populacionais mais elevadas", descreve o estudo.

"Boa Vista, Macapá, Manaus e Rio Branco têm densidade populacional relativamente densa, mas fazem parte de municípios periféricos; portanto, requerem políticas diferentes", ressalva o estudo.

A pesquisa observa também que "os polos econômicos propostos parecem ter uma maior participação de universitários recém-graduados, o que também é um dos fatores-chave para o crescimento da produtividade urbana na Amazônia Legal".

Segundo o estudo, os polos econômicos seriam fundamentais para fomentar o crescimento da produtividade urbana da região, assim como outros polos, voltados à prestação de serviços.

Embora concentrem três quartos da população regional, as cidades amazônicas são densas e ocupam apenas 0,03% da Amazônia Legal. O desenvolvimento urbano não está intrinsecamente atrelado ao desmatamento, cujo crescimento nos perímetros urbanos da Amazônia está ligado às cadeias de valor, principalmente a agrícola, e à infraestrutura logística, em que se destaca o impacto das rodovias de conexão com o resto do país.

 

"Alcançar ganhos de produtividade em regiões com baixos recursos espaciais e alta emigração provavelmente será algo caro, uma vez que vai contra as forças do mercado. É provável que tais investimentos públicos em recursos espaciais não sejam suficientes para direcionar grandes investimentos privados para a região; logo, é possível que os benefícios tenham alcance local e curta duração", ressalva o estudo.

Para que grandes investimentos públicos gerem retornos, o Banco Mundial recomenda que eles acompanhem intervenções em gargalos estruturais do desenvolvimento local, como regulamentação fundiária e a melhoria do acesso a serviços de qualidade.

O estudo aponta que, apesar de haver um longo histórico de projetos para a integração da Amazônia Legal, falta ainda uma agenda definida sobre as cidades amazônicas, que podem ser, segundo o estudo, os principais atores econômicos e de prestação de serviços na Amazônia.

Além de acrescentar contribuições sobre o papel da economia urbana, o estudo também faz recomendações sobre o financiamento para a conservação e o desenvolvimento sustentável da Amazônia.

O estudo defende reformas no crédito rural —que deveria concentrar subsídios para pequenos produtores, condicionando o benefício a práticas agrícolas de baixo carbono— e também no ITR (Imposto Territorial Rural).

 

Segundo o Banco Mundial, o ITR gera incentivos perversos ao desmatamento e deveria ser atrelado à produtividade, ao CAR (Cadastro Ambiental Rural) e a uma avaliação independente, em substituição à autodeclaração atualmente feita pelo proprietário rural.

O estudo também recomenda cuidado na elaboração de acordos comerciais e cita como exemplo a negociação entre a União Europeia e o Mercosul, travada justamente por conta de preocupações ambientais.

"Eles podem prejudicar diretamente os estados amazônicos que dependem de isenções tributárias, especialmente o Amazonas, destacando ainda mais a necessidade de uma menor dependência de incentivos fiscais", alerta o Banco Mundial, que também reforça as preocupações sobre o risco de incentivo ao desmatamento ligado a commodities de exportação.

"Os acordos comerciais que incluem a liberalização agrícola continuarão a representar um risco para a conservação das florestas da Amazônia até que a maturidade econômica e institucional esteja suficientemente avançada", afirma o memorando (Folha de S.Paulo, 10/5/23)