05/12/2025

A ditadura do adereço e o Congresso de bonecos – Por Paula Sousa

A ditadura do adereço e o Congresso de bonecos – Por Paula Sousa

Reprodução Blog Diário do Engenho

 

Se você ainda acha que o Brasil vive em uma democracia plena, ou que as coisas estão "apenas" um pouco tensas, por favor, prepare-se para ser puxado para fora da sua zona de conforto. Não com gritos, mas com a bigorna da realidade caindo na sua cabeça. A realidade é simples e brutal: a autocracia não está batendo na porta, ela já sentou no sofá, botou os pés na mesa de centro e tomou o controle remoto das suas mãos.

 

O que estamos vivendo é um espetáculo de um poder único, supremo e inquestionável, onde os outros dois—o que teoricamente faz as leis e o que as executa—foram rebaixados ao papel de meros adereços (e cúmplices). E a pior parte não é a usurpação, mas o silêncio e a subserviência dos usurpados.

 

O grande show de humilhação institucional

 

A decisão de um ministro da nossa corte máxima que, numa canetada, simplesmente arrancou do Senado Federal a sua principal prerrogativa, a competência de julgar um processo de impeachment contra um membro do próprio Judiciário.

 

Essa ação não foi apenas uma manobra técnica da lei; foi uma violação cruel da Constituição à luz do dia. O recado foi claro, direto e escrito em caixa alta: "O Senado não tem mais poder para decidir sobre isso. Esta decisão é minha, e a tarefa de julgar a mim ou a meus colegas, que deveria ser do Senado, estou entregando para o Procurador Geral da República, amigo de fé e irmão camarada."

 

Imaginem a cena: o guardião da Constituição se autoproclama o único poder válido. A Constituição, essa senhora idosa, foi jogada na lata de lixo.

O resultado? O Senado, o lugar que deveria ser o último bastião da federação, foi não apenas humilhado, mas publicamente espancado. E o que fez o líder do Congresso, o homem que tem a palavra final sobre o que entra ou não em votação?

 

A coragem seletiva dos nossos congressistas

 

Dias atrás, o mesmo líder do Senado era pura fúria e indignação. Emitiu notas oficiais ferozes contra Lula, dizendo que não aceitaria insinuações de que estaria negociando cargos ou passando por cima de suas prerrogativas em questões menores de barganha política. Ele parecia um leão defendendo seu território.

 

Mas, quando a bota imperial do Judiciário pisou diretamente no pescoço da instituição que ele representa, o leão virou um gatinho miando no canto. Muito mais medroso que a minha gata com medo dos pombos que pousam na janela da sala.

 

Cadê a nota oficial da instituição agora? Cadê a fúria? Cadê a mobilização não só dos senadores de oposição, mas dos suprapartidários, daqueles que entendem que, independentemente da bandeira, a Casa do Povo está sendo reduzida a um clube de faz de conta? A resposta é o silêncio ensurdecedor, que só foi quebrado por declarações vazias de que "medidas estão sendo providenciadas" e que há "extrema preocupação".

 

Preocupação é o que sentimos quando o salário atrasa, quando perdemos o ônibus ou quando sobra um dinheiro na conta, o que pode ocorrer porque esquecemos de pagar alguma conta; o que se espera do Congresso é ação!

E aqui reside o cerne da ditadura que alguns se recusam a ver: ela não precisa de tanques na rua se puder controlar o Congresso com o medo e a subserviência.

 

A inutilidade de seguir o livro de regras

 

Alguns, talvez com a melhor das intenções, sugerem: "Vamos emendar a Constituição! Vamos criar novas regras que impeçam isso!"

Sinto lhes informar, mas essa é a piada mais engraçada de todas. É como tentar apagar um incêndio florestal com um copinho de água.

 

Quando o poder supremo ignora a regra fundamental (a própria Constituição) para tomar uma decisão, ele não vai simplesmente recuar porque você criou uma nova regrinha. A nova emenda, a nova PEC, será simplesmente jogada na mesma lata de lixo da original. O STF dirá, com a mesma facilidade, que a nova regra "não pode" ou a perverterá para que sirva aos seus propósitos.

 

Para um poder que se coloca acima de qualquer lei, a criação de novas leis é apenas um exercício fútil de burocracia. Não se enfrenta um golpe institucional com mais papelada e discursos nas redes sociais.

 

 

O confronto: O gênio precisa voltar para a garrafa

 

O único caminho que resta, o único que tem o potencial de devolver o gênio para a garrafa de onde ele nunca deveria ter saído, é o confronto político. E ele é perfeitamente legítimo e lícito.

 

O artigo 49, inciso XI da nossa Constituição é muito claro: É dever do Congresso zelar pelas suas próprias prerrogativas legislativas. Se o Congresso permite que o STF as usurpe, ele não está apenas sendo covarde, ele está sendo inconstitucionalmente omisso.

 

Confronto político, no linguajar do Congresso, tem um nome: pautar o impeachment. Pautar para hoje, para ontem, um dos vários pedidos que estão engavetados. O STF vai barrar? Ótimo. É aí que o confronto se acende. É aí que o Senado, como instituição, mostra que tem dignidade e que não será um mero acessório.

 

Houve um tempo, não muito distante, em que um político, acusado de diversas coisas, enfrentou uma ordem direta do STF para sair de sua cadeira no Congresso. Ele disse "Aqui você não entra" e usou a Polícia Legislativa para fazer valer a prerrogativa do seu cargo e da sua Casa. Ele não era um exemplo de moral, mas sabia o que era um posicionamento institucional. Será que nossos senadores terão culhões para assumir uma postura assim?

 

O Congresso precisa de uma dose dessa fibra, e não apenas quando o calo aperta no pé do Alcolumbre, mas quando o calo aperta no pé da instituição brasileira.

 

O alerta final para quem ainda dorme

 

A ditadura do poder único está instalada. E se você ainda acha que isso é um problema apenas para "políticos de direita" ou para aqueles que estão sendo censurados ou investigados, lembre-se da história.

 

Nenhuma autocracia na face da Terra jamais poupou ninguém. Elas começam mirando os inimigos declarados, mas logo o apetite cresce. A próxima vítima será o aliado que se tornou inconveniente, o jornalista que ousou ser neutro demais, o empresário que ousou questionar, ou o cidadão comum que apenas queria viver sua vida em paz.

 

O preço da apatia é alto. Se o Senado que temos hoje não tiver a coragem de usar o confronto político para restaurar a democracia, não sobrará um pedaço decente da instituição para a próxima legislatura. E quando a ditadura bater na sua porta, não haverá mais Congresso para quem você possa ligar. O espetáculo da subserviência está no ar, e você está pagando o ingresso com sua liberdade. (Paula Sousa é historiadora, professora e articulista: 5/12/2025)