25/11/2025

A prisão ilegal de Bolsonaro e a crise do regime oligárquico brasileiro

A prisão ilegal de Bolsonaro e a crise do regime oligárquico brasileiro

Imagem Reprodução Shutterstock

 

Por Paula Sousa

 

Sou professora de história (sim, de direita). Nos meus anos de faculdade, aprendi algo que deveria ser muito óbvio para qualquer pessoa: sem compreender o passado, cometemos erros no presente e entregamos o futuro a quem quer moldá-lo conforme seus próprios interesses. Um povo que ignora sua própria história pode ser facilmente manipulado. A esquerda percebeu isso muito antes da direita, e consequentemente, dominou a educação, as universidades e a produção de conhecimento por décadas.

 

É necessário traçar uma linha do tempo que nos ajude a compreender como o Brasil chegou à situação de prender um ex-presidente sem ter cometido nenhum crime, deixando uma sociedade sem respostas, apenas narrativas. Não tenho a intenção de comparar o Brasil com regimes autoritários do século XX, como a Alemanha Nazista, a Itália Fascista ou a URSS — isso seria simples demais. O que devemos fazer é examinar as nuances de nossa própria história, que muitas vezes são ignoradas ou deturpadas. Poucas pessoas entenderam de fato o sistema que funciona nos bastidores do país.

Dentre essas poucas pessoas, o professor Olavo de Carvalho se destaca como o maior intelectual que desvendou o sistema com precisão.

 

Em uma de suas advertências, Olavo de Carvalho disse a Bolsonaro antes da eleição: “Se você for eleito, terá contra si organizações poderosíssimas de escala mundial. Não é algo local. Você terá toda a mídia internacional contra você, grandes bancos, fortunas incalculáveis, tudo contra você. Portanto, você precisa preparar uma equipe de intelectuais capazes de enfrentar isso.”

 

Aquelas não eram palavras exageradas, mas um presságio. Um diagnóstico exato do que estava por vir.

 

O desfecho de uma trama antiga

 

O que aconteceu nos últimos dias não foi uma simples violação da lei, mas o resultado esperado de uma narrativa que vem sendo desenvolvida há bastante tempo. A prisão de Jair Bolsonaro representa a consolidação mais dura do regime que tomou conta do país. Para compreender a gravidade da situação, é preciso recuar e observar a sequência completa dos fatos. Quando fazemos isso, percebemos que não se trata de um erro isolado, mas do funcionamento de um sistema que reage com força quando se sente ameaçado.

 

É preciso entender todos os acontecimentos que transformaram a ascensão da maior liderança popular que esse país já viu em um alvo a ser eliminado, além de mostrar como a perseguição ao bolsonarismo é a consequência natural de uma elite unida que se recusa a abrir mão do poder sobre o país.

 

O pacto oligárquico de 1988

 

O principal problema do Brasil não está apenas em políticos específicos, mas no modelo de Estado estabelecido após a redemocratização. A Constituição de 1988 não foi um acordo verdadeiramente popular, mas sim a consolidação de um arranjo de poder que manteve as elites tradicionais.

 

Desde a Proclamação da República — que foi um movimento planejado e liderado por uma elite unida, que ainda exerce influência — o país vive sob um Estado que se posiciona acima da sociedade. O Brasil não surgiu de um povo que conquistou sua independência, mas de um grupo que distribuiu o poder de cima para baixo.

 

Esse sistema não se resume a um presidente ou partido. Ele é uma junção de forças:

 

  • Judiciário, com poder crescente e pouco controlado com indicações de agentes de confiança do executivo;
  • Mercado financeiro, representado por famílias como Setúbal e Moreira Salles, que há décadas moldam a economia;
  • Grande mídia, como a família Marinho da Globo e a família Mesquita do Estadão, cujas raízes estão profundamente conectadas às elites;
  • O braço acadêmico-ideológico, que assumiram as universidades, ONGs internacionais e centros financiados como o Cebrap, fundado por Fernando Henrique Cardoso com apoio da Fundação Ford.

 

A conclusão é inevitável: a prisão de Bolsonaro era apenas uma questão de tempo desde sua vitória nas eleições de 2018, por não fazer parte do pacto de poder pré-estabelecido.

 

A informação descentralizada e distribuída permitiu que a direita finalmente fosse ouvida. Jornalistas, comunicadores, influenciadores e parlamentares passaram a ter mais visualizações que a mídia tradicional e até que nomes da própria esquerda. Bolsonaro, em 2018, fez quase toda a campanha sem dinheiro, apenas com as redes sociais. Por isso, hoje, a esquerda considera essencial censurar a direita: após décadas controlando a informação, precisa calá-la na internet, já que a velha mídia perdeu força. E o sistema não quer repetir o erro de 2018 — daí a pressa em censurar as redes e vender a ideia de que só eles podem “salvar a democracia".

 

A linha do tempo da sabotagem

 

Se a “sentença” simbólica foi escrita em 1988, sua execução ganhou força muito antes de 2022.

 

2018 – O atentado físico

A primeira tentativa de neutralização foi literal: eliminá-lo fisicamente. Não funcionando, passou-se à fase institucional.

 

Sabotagem legislativa

Durante o governo, diversas Medidas Provisórias sequer foram pautadas, fazendo-as caducar. Isso impediu a execução de políticas essenciais, travando o governo por omissão deliberada.

 

CPI como espetáculo

A chamada “CPI da COVID” se transformou em um espetáculo midiático, focando apenas em narrativas em vez de investigações concretas. As declarações do presidente Bolsonaro foram distorcidas, dados manipulados e a imagem do presidente passou a ser demonizada de forma sistemática.

 

Interferência eleitoral

Em 2022, as regras do jogo público mudaram drasticamente durante as eleições, algo sem precedentes na história do país. Um ambiente desigual de competição política foi criado ao se controlar rigidamente o que era permitido e não permitido dizer. Em que um lado tinha liberdade total para mentir e manipular a opinião pública enquanto o outro era acusado de fake news o tempo todo.

 

O papel de Sérgio Moro

A atuação de Sérgio Moro é um aspecto que costuma ser negligenciado. Sua saída do governo não foi um ato espontâneo. Há muitas evidências de que uma ação foi planejada para direcionar investigações e processos contra o bolsonarismo. Se confirmada a intencionalidade, sua atuação foi um divisor de águas que acabou permitindo que o sistema avançasse com ainda mais força jurídica.

 

A Prisão de Bolsonaro

 

A prisão ilegal do ex-presidente não é um ato isolado, mas o ápice de um processo extenso. Para uma elite que se considera "proprietária" do país, Bolsonaro é a maior ameaça desde 1988: uma figura que mobilizou a população, expôs os bastidores e desvendou o funcionamento das engrenagens. Bolsonaro expôs as entranhas da política brasileira.

Retirá-lo definitivamente era uma prioridade.

 

O problema da direita: Falta de militância real

 

Embora haja uma indignação legítima, a direita brasileira ainda enfrenta uma fragilidade histórica: a ausência de militância engajada. Ao passo que a esquerda se estruturou ao longo de várias décadas, reunindo sindicatos, movimentos estudantis, ONGs e diferentes partidos, a direita contemporânea ainda fundamenta sua influência no engajamento espontâneo da internet.

 

Milhões de pessoas apoiam a causa, mas poucas dispostas a se organizar. Há um temor infundado de desunião e um receio de contrariar figuras públicas consideradas “aliadas”. Isso tem levado a direita, muitas vezes, a se misturar com setores do próprio sistema que a persegue, enfraquecendo qualquer ação coordenada.

 

Não é justo culpar o povo. O povo segue quem o lidera. A responsabilidade está sobre:

  • parlamentares,
  • lideranças,
  • comunicadores,
  • e, principalmente, intelectuais de direita.

 

Sem estudo, planejamento e estratégia, não há vitória possível.

 

O despertar nacional

 

Apesar do cenário tenso, há uma mudança histórica em andamento. Nunca tantos brasileiros se interessaram por política e entenderam tão profundamente como o país funciona. O sistema, ao tentar eliminar Bolsonaro, provocou o efeito contrário: despertou a população.

Isso se reflete em três áreas:

 

  1. Representação política

Hoje existe uma bancada conservadora forte e numerosa, algo impensável antes de 2018.

 

  1. Mobilizações de massa

As manifestações espontâneas em defesa da liberdade e contra abusos institucionais superaram qualquer mobilização popular registrada desde a redemocratização. Nunca antes, na história do País, houve protestos massivos em apoio a um presidente em exercício. Desde 2019, milhares de brasileiros passaram a ocupar as ruas de forma recorrente para demonstrar apoio a Bolsonaro e rejeitar o avanço do autoritarismo institucional.

 

  1. Consciência política

A população passou a entender:

  • o que faz o STF e quem são os juízes e até seus familiares,
  • o papel de um PGR,
  • como funciona o Congresso,
  • para que serve uma MP, um PL ou uma PEC.

 

Esse nível de compreensão política jamais tinha sido alcançado no Brasil — esse é um caminho sem volta. Quem despertou do sono profundo não voltará a ser manipulado com a mesma facilidade. Foi Bolsonaro quem mobilizou essa massa, resgatando um sentimento de patriotismo que antes só surgia a cada quatro anos, durante a Copa do Mundo. Pela primeira vez em décadas, o brasileiro sentiu orgulho de ser brasileiro, passou a amar e vestir a bandeira verde e amarela — símbolo que, durante anos, havia sido desprezado, rejeitado e até destruído pela esquerda.

 

Entender o passado para agir no presente

O momento exige maturidade e estratégia. O movimento de direita precisa entender, de uma vez por todas, que não está enfrentando apenas adversários políticos. Está enfrentando um sistema enraizado, articulado, poderoso e historicamente protegido.

Só há um caminho:

 

  • estudar a história brasileira de verdade,
  • reconhecer quem são nossos adversários,
  • abandonar a ingenuidade e a guerra de egos,
  • formar militância séria,
  • e agir de forma coordenada.

 

Como historiadora, posso afirmar: o futuro é sempre escrito por quem entende os ciclos anteriores. Estamos diante de um ponto inflexão. A injustiça cometida contra Bolsonaro pode marcar nossa história — ou pode ser o gatilho que fará a direita finalmente amadurecer e se organizar.

 

O Brasil ainda não está condenado. Mas o tempo está passando.

 

Agir agora não é uma opção: é uma necessidade histórica (Paula Sousa é historiadora, professora e articulista; 25/11/2025)