08/01/2020

Biotecnologia pode tornar agricultura resiliente às mudanças no clima

Biotecnologia pode tornar agricultura resiliente às mudanças no clima

Legenda: Estudos feitos com culturas de milho, cana, arroz, trigo, soja, cacau e seringueira foram apresentados em evento organizado pela FAPESP e pela agência japonesa JST; objetivo do encontro foi estimular a colaboração entre pesquisadores paulistas e japoneses

 

Microrganismos encontrados na cana-de-açúcar podem ser uma das chaves para elevar a produtividade no campo e mitigar os efeitos das mudanças climáticas, como secas severas, que atingem diversas culturas agrícolas usadas para alimentação e produção de bioenergia.

Em um projeto conduzido no Centro de Pesquisa em Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas (GCCRC) pesquisadores identificaram fungos e bactérias que favorecem o crescimento da cana e, posteriormente, inocularam esses microrganismos em culturas de milho. O experimento resultou em plantas com maior tolerância à escassez de água e em um aumento da biomassa de até três vezes.

O GCCRC é um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído pela FAPESP e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

“O milho cultivado com microrganismos que habitam a cana demorou para começar a sofrer com a seca e se recuperou mais rapidamente após sofrer estresse hídrico”, contou o geneticista Paulo Arruda, coordenador do centro, durante o workshop Biotechnologies for efficient and improved production of food crops and bioenergy, realizado na FAPESP.

De acordo com Arruda, os experimentos indicam que fungos e bactérias são de fato capazes de mudar a fisiologia das plantas. Podem, por exemplo, diminuir a temperatura das folhas em até 4º C, auxiliando o vegetal a controlar o consumo de água. Em um teste feito no interior da Bahia, em uma região conhecida por longos períodos sem chuva, os pesquisadores observaram que os microrganismos também atuaram contra a doença conhecida como enfezamento do milho, que reduz a produção de espigas.

A equipe do GCCRC trabalha atualmente no sequenciamento do genoma desse grupo formado por cerca de 25 mil bactérias e 10 mil fungos a fim de entender como agem nas plantas. A enorme quantidade de dados é analisada com a ajuda de inteligência artificial. “Algoritmos fazem o trabalho de mapear padrões genéticos relacionados a funções metabólicas dos microrganismos”, disse Arruda, destacando a importância dos bancos de microrganismos para a pesquisa genética e o desenvolvimento de inoculantes que sirvam como alternativa aos fertilizantes químicos.

Novas colaborações

Organizado conjuntamente pela FAPESP e pela Japan Science and Technology Agency (JST), o workshop reuniu cientistas de São Paulo e do Japão que se dedicam a pesquisas em biotecnologia de plantas, com o objetivo de estimular novas colaborações. “Iniciamos um diálogo com pesquisadores japoneses interessados em inocular os microrganismos no cultivo de arroz”, contou Arruda, que mantém parcerias com grupos dos Estados Unidos e da Europa.

Para a bióloga Marie-Anne Van Sluys, professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) e uma das organizadoras do evento, o encontro foi uma oportunidade para que os japoneses tivessem contato com a pesquisa realizada pelos paulistas.

De acordo com Van Sluys, a FAPESP e a JST têm interesse em promover novas parcerias de pesquisa por meio, por exemplo, de uma chamada conjunta. Isso seria possível no âmbito de um dos programas internacionais da JST, o SICORP (acrônimo para Strategic International Collaborative Research Program).

“Na modalidade SICORP, as duas instituições elegem um tema de pesquisa de interesse comum e destinam recursos para projetos selecionados pelos pares”, explicou Makie Kokubun, gerente de programas da JST.

Tsukasa Nagamine, supervisor de programas internacionais da JST, apresentou projetos financiados pela agência japonesa que resultaram no melhoramento de culturas, especialmente arroz, trigo e soja, em países como Afeganistão, Madagascar, Quênia e Sudão. Também falou da importância dos bancos de germoplasmas, como o da Organização Nacional de Pesquisa em Agricultura e Alimentação (Naro), vinculada ao governo japonês. “Uma das pesquisas que se beneficiaram da coleção da Naro conseguiu desenvolver variedades de plantas resistentes à striga [ou erva-bruxa], uma erva daninha extremamente devastadora”, disse Nagamine.

Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico- Administrativo da FAPESP, lembrou do acordo de cooperação assinado pelas agências em 2014. “O diálogo entre a FAPESP e a JST já dura cinco anos e busca promover iniciativas de colaboração científica e tecnológica em áreas prioritárias, entre elas biotecnologia”, disse.

Colaborações mais maduras

A expertise brasileira na pesquisa genômica aplicada à agricultura e o potencial tecnológico desenvolvido pelos japoneses podem render colaborações mais maduras, capazes de gerar conhecimento e inovações de ponta, nas palavras da bióloga Anete Pereira de Souza, do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG), instalado na Unicamp.

“Novas técnicas de sequenciamento genético têm sido desenvolvidas no Japão e isso certamente nos interessa”, disse. “Estamos aptos a fazer parcerias de alto nível com laboratórios japoneses competitivos, como o Instituto Riken.” Para Pereira de Souza, não se trata mais de encarar o Brasil como mero fornecedor de germoplasmas [sementes, células e demais materiais genéticos] para outros países, mas sim como parceiro científico estratégico.

Nos últimos anos, a pesquisadora tem se dedicado ao sequenciamento do genoma de diferentes culturas, como o cacau e a seringueira, para testar uma técnica conhecida como seleção genômica – bastante usada no melhoramento de raças de bovinos, por exemplo, e que agora começa a ganhar força na agricultura.

“Trata-se de uma alternativa ao melhoramento genético convencional”, afirmou Pereira de Souza referindo-se ao método consagrado de fazer combinações de plantas parentais com o objetivo de obter, após várias gerações, uma planta com características superiores àquelas que lhe deram origem. O problema, disse ela, é que esse processo é caro e longo.

Enquanto o melhoramento genético tradicional leva em consideração apenas as características fenotípicas (observáveis) da planta, a seleção genômica faz uma associação do fenótipo com sequências do genoma. “Isso permite predizer fenótipos complexos por meio da análise de marcadores moleculares, que são trechos do DNA.” Com essa técnica, disse Pereira de Souza, é possível obter novas variedades de plantas com menos tempo e dinheiro.

No momento, Pereira de Souza e sua equipe debruçam-se sobre informações genéticas da seringueira, com o objetivo de aplicar a seleção genômica no desenvolvimento de variedades mais produtivas e resistentes da árvore, da qual se extrai o látex usado na produção de borracha natural.

“Há urgência na obtenção de seringueiras adaptadas a climas mais frios e secos como solução para impedir a ação do fungo causador da doença conhecida como mal-das-folhas, que atinge as árvores em locais mais quentes e úmidos”, explicou a pesquisadora. “Países asiáticos, como China e Tailândia, são os maiores interessados, uma vez que enfrentam hoje a infestação desse fungo em suas plantações de seringueira”, disse.

Melhoramento da cana

A aguardada publicação do genoma completo da cana-de-açúcar deve impulsionar a técnica da seleção genômica no país, declarou a bioquímica Glaucia Mendes Souza, do Instituto de Química da USP e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN). O trabalho, publicado recentemente na revista GigaScience, levou 10 anos para ser concluído (leia mais em: agencia.fapesp.br/32090).

“Isso significa que os programas de melhoramento da cana não vão mais trabalhar no escuro”, disse Mendes Souza. O projeto brasileiro que sequenciou 99,1% do genoma da cana, do qual o BIOEN faz parte, decodificou 373 mil genes e evidenciou a complexidade da planta – o genoma humano, por exemplo, tem 22 mil genes.

Mendes Souza participou recentemente de uma audiência pública da Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado, na qual falou das possíveis contribuições da ciência para o RenovaBio, uma nova política nacional de biocombustíveis que passa a valer em 2020.

“O etanol brasileiro pode, até 2045, substituir 13% do consumo de petróleo em todo o mundo, além de contribuir com uma queda de 5,6% nas emissões de carbono mundiais no mesmo período. Mas faltava ao país montar um esquema de governança para a bioenergia. O RenovaBio veio preencher essa lacuna”, disse Mendes Souza.

O workshop realizado na FAPESP contou ainda com a participação da engenheira agrônoma Tsai Siu Mui, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, que vem estudando o microbioma da chamada terra preta antropogênica, um solo enriquecido produzido por índios da Amazônia, cuja presença mais antiga foi detectada na região do alto rio Madeira. Esse solo mais escuro foi formado a partir de detritos orgânicos acumulados onde houve ocupações humanas prolongadas. “Ele é extremamente fértil, rico em fósforo, e pode ser recriado com o objetivo de recuperar áreas degradadas”, explicou Tsai (Agência Fapesp, 8/1/20)