08/05/2023

Calote companheiro – Editorial Folha de S.Paulo

Calote companheiro – Editorial Folha de S.Paulo

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Com Argentina, Lula de novo ensaia apoiar políticas irresponsáveis de aliados.

Como se não tivessem bastado os calotes de Cuba e Venezuela em dívidas com o Brasil contraídas durante administrações petistas, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) insiste em adotar afinidades ideológicas como critério definidor das relações internacionais.

O caso do momento é a Argentina, em profunda crise econômica. No encontro com o presidente Alberto Fernández, o mandatário brasileiro recorreu ao velho expediente de associar o Fundo Monetário Internacional, principal credor, às mazelas do país vizinho.

Para Lula, o FMI deveria "tirar a faca do pescoço da Argentina", ignorando todas as negociações anteriores cujas condições foram descumpridas pela Casa Rosada.

É antiga a fixação da esquerda latino-americana em culpar o Fundo pela instabilidade econômica da região. Se no passado, quando os fluxos internacionais de capital privado eram restritos, a queixa poderia ter algum fundamento, no mundo atual é delirante manter a mesma cantilena.

A responsabilidade pelo caos argentino é de sucessivos governos —à direita ou à esquerda, mas todos reféns do peronismo— que geriram a economia de modo irresponsável. Fernández e suas políticas populistas tornaram a situação mais dramática nos últimos anos.

Não é por acaso que a inflação supera 100% ao ano e que o peso derrete continuamente. O caminho, infelizmente improvável, seria um ajuste de contas interno de grande magnitude, que permitisse a recuperação da credibilidade da moeda e das finanças públicas.

O Brasil, naturalmente, perde com a deterioração da economia argentina. É notável que um país fronteiriço e com amplo potencial tenha absorvido em 2022 apenas 4,6% das exportações brasileiras, equivalentes a US$ 15,3 bilhões. É uma fração da posição de 20 anos atrás e menos, por exemplo, do que as vendas para Oriente Médio.

Felizmente, Lula ainda não entregou dinheiro brasileiro ao vizinho, limitando-se a uma tentativa até aqui infrutífera de ampliar o comércio por meio de promessas de crédito a exportadores brasileiros e compradores argentinos.

Entretanto nenhum mecanismo de financiamento bilateral, ainda que conte com garantias, será capaz de evitar inadimplência se o próprio governo argentino não colocar sua casa em ordem.

nova promessa do petista é tentar alterar o estatuto do Novo Banco de Desenvolvimento, o banco dos Brics, hoje presidido por Dilma Rousseff (PT), para dar garantias a Buenos Aires. Eis mais uma invencionice temerária, já que a instituição tem como mandato financiar apenas os países membros.

É natural que o Brasil, por seu peso na América Latina, exerça influência na região. O pior modo de fazê-lo é justamente dando suporte a políticas fracassadas que sabotam o desenvolvimento de todos (Folha de S.Paulo, 7/5/23)


Congresso começa a se irritar e PT causa divisões no governo Lula

Por Vinicius Torres Freire

Núcleos do comando petista no governo entram em atrito com outras áreas do governo.

O comando do PT e o núcleo do PT no governo, em especial na Casa Civil, têm um programa que, em parte, tem sido no mínimo apoiado por Luiz Inácio Lula da Silva.

É um plano que incomoda gente de outras partes do governo, petistas inclusive, como na economia, nas relações exteriores e mesmo na área ambiental. Até no BNDES, espécie de ala esquerda da equipe econômica, os planos mais petistas-partidários causam preocupação. Todos dizem que o governo precisa se lembrar de que foi eleito por uma "frente ampla".

A tentativa de retomar o controle da Eletrobras, política para a Petrobras, regra de reajuste do salário mínimo, o caso de Lula com a guerra da Ucrânia, os decretos para mudar as leis do saneamento (facilitando a vida de estatais), a lentidão da remontagem na área ambiental e os ataques contra o arcabouço fiscal fazem parte da lista de atritos. A retomada da Eletrobras e os decretos do saneamento são obras do núcleo petista no governo.

Pode haver mais. O comando do PT, deputados e economistas ligados ao partido, mas muito fora do governo, elaboram proposta alternativa para o plano de gastos de Fernando Haddad. A proposta prevê um aumento de despesa maior do que o do projeto Haddad, em quase todos os casos, ou exclui investimentos da conta do saldo primário, entre outras mudanças fortes.

Não passará pelo governo e ainda menos pelo Congresso. Mas a mera apresentação de um plano alternativo, nesses termos, daria força à tese de que há mais oposição no governo do que fora dele.

É um comentário que se ouve em vários ministérios que não são controlados por gente ligada ao comando do PT: é muito tiro no pé. Pede-se arbitragem urgente de Lula.

O arcabouço já vai ser modificado em acordo com o Congresso. Deve haver mais regras para "punir" o gasto em caso de descumprimento da meta de superávit primário, como gatilhos que impeçam aumento de certas despesas (como salários) ou renúncia de receita. Algumas despesas devem entrar no limite do teto de Lula: salários da enfermagem, dinheiro para engordar o capital de estatais, por exemplo. É o contrário da linha petista.

Oposição organizada e dominante no Congresso de fato ainda não há. Mas o governo toma safanões, o que ficou evidente em votações da semana passada, mas não apenas.

Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, frita em público o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, responsável entre outras coisas por distribuir dinheiro de emendas. A distribuição foi destravada depois de umas chamadas irritadas de Lula, mas o dinheiro ainda não começou a chegar aos companheiros dos parlamentares.

As lideranças do Congresso, um centrão muito ampliado, criticam a Casa Civil, de Rui Costa, por ser centralizadora e lerda; querem definições sobre cargos de menor escalão, em especial em estados, que rendem prestígio, algum poder e algum troco.

Com experiência, capacidade analítica e interesse, não se sabe em qual proporção, essas lideranças do centrão ampliado contam que o governo está desorganizado, ministros batem cabeça, em especial os do Planalto. Dizem que o governo e, mais ainda, o PT, não entendem o novo Congresso, mais forte e francamente de direita. Foi o que disse, em entrevista ao jornal "Valor", aliás, Valdemar Costa Neto, presidente do PL.

É o que Lira tem dito também. É evidente para qualquer pessoa versada em aritmética política. O que por ora é safanão pode se tornar oposição organizada, ainda mais se a economia não crescer bem (não deve crescer, até 2024) e se não houver fluxo de emendas (pode faltar dinheiro).

Conflitos no governo e com uma oposição organizada são um combate em duas frentes. Jamais na história foi boa ideia (Folha de S.Paulo, 7/5/23)