24/04/2024

Descompromisso com o futuro – Editorial O Estado de S.Paulo

Descompromisso com o futuro – Editorial O Estado de S.Paulo

ESTADÃO AZUL

É hora de os Poderes recuarem dessa estratégia suicida de ampliação dos gastos, que nada trará de positivo ao País, e de se unirem por agenda que traga mais eficiência ao setor público.

 

Na semana passada, a sociedade assistiu atônita à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovar o retorno do quinquênio para algumas das categorias mais privilegiadas do funcionalismo público. Se o plenário der aval à proposta, o País terá de gastar R$ 42 bilhões para garantir reajustes automáticos aos salários de juízes, procuradores e promotores, entre outras carreiras da elite do serviço público.

Não há outra palavra, senão farra, para definir a atitude da CCJ do Senado. Além de retomar uma regalia extinta há mais de 20 anos, os membros da comissão incluíram muitas outras categorias nesse trem da alegria que premia aqueles que passarem mais tempo vinculados ao Estado. Afinal, não haverá qualquer contrapartida a não ser os anos de serviço de cargos que, entre seus vários atrativos, oferecem estabilidade funcional e vencimentos elevados desde o início da carreira.

O avanço da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Quinquênio diz muito sobre a brutal falta de compromisso das autoridades com o futuro do País. Uma semana antes, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), havia se reunido com os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Disse, depois do encontro, que a Casa estava comprometida com o equilíbrio das contas públicas e que não aprovaria projetos que elevassem despesas da União. Acreditou quem quis.

Acuado, agora o governo corre contra o tempo para conter, ainda que parcialmente, a sangria de recursos públicos que a PEC representa. Para isso, conta com a colaboração dos governadores e a boa vontade de Pacheco, ignorando o fato de que o próprio Pacheco ressuscitou tal proposta, arquivada em 2022 e reapresentada pelo senador mineiro no ano passado.

Culpar unicamente Pacheco e os integrantes da CCJ pela irresponsabilidade com as contas públicas, no entanto, seria injusto. Afinal, naquela mesma semana, a pedido do governo, a Câmara dos Deputados havia aprovado um dispositivo para liberar uma despesa extra de R$ 15,7 bilhões neste ano, arruinando o arcabouço fiscal.

A desculpa oficial para antecipar o crédito foi a arrecadação recorde no início do ano, mas sabe-se que a decisão está relacionada à liberação de emendas parlamentares de R$ 5,6 bilhões. Vetadas por Lula da Silva em janeiro, elas geraram um impasse que levou ao rompimento das relações entre Padilha e o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL) – outro personagem que se diz defensor de reformas e da agenda econômica, desde que as emendas permaneçam intocadas.

Não bastasse a facilidade com que a âncora fiscal foi ignorada, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, alterou as metas fiscais de 2025 e de 2026. Para o ano que vem, o superávit de 0,5% foi reduzido a zero, e o superávit de 1% em 2026 foi rebaixado a 0,25%. Nada garante que os novos objetivos não serão modificados novamente antes disso.

Alcançar a meta do ano que vem exigirá R$ 50 bilhões extras, mas o Executivo continua a ignorar a resistência que o Congresso tem demonstrado nos últimos meses às medidas para recuperação de receitas, enquanto a agenda de redução de despesas segue inexistente.

Nesse cenário em que o Legislativo usa as carreiras do topo do funcionalismo público, especialmente do Judiciário, para pressionar o Executivo a abrir o cofre e liberar as emendas parlamentares, o receio de entidades do setor privado, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), é que o resultado final dessa disputa seja um indesejável aumento da carga tributária.

É hora de os Poderes recuarem dessa estratégia suicida, que nada trará de positivo ao País, e de se unirem por uma agenda que traga mais eficiência ao setor público. Isso passa por um esforço coletivo que envolve muitas iniciativas, a começar pela redução das gritantes desigualdades entre as carreiras do serviço público, o oposto do que propõe a PEC do Quinquênio, e por um modelo que traga alguma racionalidade às emendas parlamentares, sobretudo em um ano de eleições municipais. Ao governo, cabe dar o exemplo e cumprir as metas fiscais, e não modificá-las ao sabor do vento (Estadão, 24/4/24)