França e Itália articulam para adiar votação do acordo Mercosul-UE
Acordo Mercosul e União Europeia enfrenta resistência em países do Velho Continente — Foto: Reprodução
Governo francês vem tentando mobilizar outros países para formar uma "minoria de bloqueio", informa reportagem da agência de notícias Reuters.
A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, e o presidente francês, Emmanuel Macron, concordaram sobre a necessidade de adiar a votação final da União Europeia sobre o acordo comercial do Mercosul. É o que informa a agência de notícias Reuters, mencionando ter ouvido sob anonimato duas pessoas que estão familiarizadas com as discussões.
A França tem tentado mobilizar outros países da UE para formar uma minoria de bloqueio contra o acordo. A votação é esperada em Bruxelas esta semana, informa a agência.
Na semana passada, o Comitê de Comércio Internacional do Parlamento Europeu aprovou um projeto que prevê a adoção de salvaguardas contra importações de produtos agrícolas do Mercosul. O texto prevê a suspensão de preferências tarifárias caso se conclua que estejam prejudicando produtores rurais do bloco europeu.
Os parlamentares defendem que a Comissão Europeia avalie a necessidade de medidas de proteção caso as importações de produtos considerados sensíveis, como carnes de aves e bovina, aumentarem, em média, 5% ao longo de três anos. A proposta original prevê a investigação quando esse crescimento for de 10%.
A proposta prevê ainda prazo de investigação menores que os do texto da Comissão Europeia: de seis para três meses para produtos em geral, e de quatro para dois meses, em caso de produtos sensíveis. A intenção é permitir uma eventual adoção de salvaguardas mais rapidamente.
No Comitê, o projeto passou com 27 votos a favor, oito contrários e sete abstenções. Nesta semana, cláusulas de salvaguarda devem ser discutidas durante a reunião plenária do Parlamento Europeu, que vai até a quinta-feira (18/12).
"Estas salvaguardas melhoram significativamente o funcionamento do regulamento, garantindo uma maior proteção aos nossos agricultores e um quadro mais fiável para a sua implementação. Os compromissos refletem também as principais prioridades levantadas pelos nossos colegas da Comissão da Agricultura", disse o relator, Gabriel Mato, representante da Espanha, em nota divulgada no site oficial do Parlamento Europeu (Globo Rural, 15/12/25)
Acordo UE-Mercosul vai a voto sob oposição de França e, agora, Itália

Fazendeiros franceses protestam contra o Acordo UE-Mercosul em frente à Torre Eiffel, em Paris. Foto Stephane Mahe Reuters
- Com Polônia, Hungria e talvez Áustria e Irlanda, grupo de oposição cresce na reta final
- Pacto depende de votações cruciais no Parlamento e no Conselho da UE, nesta semana
Em meio a críticas, reportagens desfavoráveis e até o abate de gado acometido por doença viral, o Parlamento Europeu aprecia nesta terça-feira (16) salvaguardas inseridas no Acordo União Europeia-Mercosul, penúltimo passo de sua tramitação no bloco. Enquanto isso, cresce a oposição à sua ratificação, na quinta (18), no Conselho da União Europeia.
"Agora é uma questão de credibilidade e uma questão de ser estratégico", declarou à imprensa europeia Maros Sefcovic, comissário de Comércio do bloco, antecipando a possibilidade de um novo recuo nas negociações, que começaram em 1999.
Segundo Sefcovic, uma nova falha da UE pode comprometer seu papel no cenário global, já bastante limitado pelas tarifas de Donald Trump e a competição tecnológica com a China.
No fim de semana, o governo francês reiterou um pedido de adiamento da tramitação e novas discussões. "A França solicita que se adiem os prazos de dezembro para continuar o trabalho e obter as medidas de proteção legítimas de nossa agricultura europeia", afirmou o gabinete do primeiro-ministro francês, Sébastien Lecornu, em comunicado.
Nesta segunda (15), o presidente Emmanuel Macron, segundo a agência Reuters, angariou o apoio da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, à dissidência. Somados os votos certos de Polônia e Hungria, que são declaradamente contra o pacto, a França estaria próxima a uma antes inimaginável minoria de bloqueio no Conselho da União Europeia.
Para barrar uma proposta no fórum, que funciona como um colegislador e é formado por ministros dos 27 integrantes do bloco, é preciso reunir ao menos quatro países e uma fatia correspondente a 35% da população da UE.
Se Áustria e Irlanda, que já expressaram simpatia pela posição francesa, aderirem à minoria, muito provavelmente a Dinamarca, que ocupa a presidência temporária do bloco, não submeteria o acordo à votação na quinta, acatando o pedido de adiamento.
A não conclusão imediata do tratado seria uma derrota pessoal para Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, uma das maiores defensoras do acordo ao lado de Friedrich Merz, premiê da Alemanha, e Pedro Sánchez, presidente da Espanha. Os dois países se beneficiariam muito com a ampliação dos negócios com os sul-americanos.
Também tiraria de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a chance de acrescentar o acordo a seu currículo internacional em ano de campanha. "Eu posso lhe garantir que no dia 20 de dezembro estarei assinando o acordo União Europeia-Mercosul", disse Lula, no mês passado, no encontro do G20, antecipando que receberia Von der Leyen em Brasília para o ato de assinatura.
"O Brasil continua otimista, nós dependemos da votação no Conselho [da União Europeia], mas temos sinalizações de que a ideia é assinar [o acordo UE-Mercosul]. A França sozinha não tem poder de bloquear, França e Polônia sozinhas também não", disse a secretária de América Latina e Caribe do Ministério das Relações Exteriores, embaixadora Gisela Padovan, antes de as informações sobre a Itália serem publicadas pela Reuters.
A votação prévia no Parlamento Europeu, nesta terça, se refere a salvaguardas introduzidas no documento para satisfazer demandas francesas e italianas e fazer o acordo andar: monitoramento "em tempo real" dos mercados, notadamente carne bovina e de aves, arroz e etanol e a possibilidade de intervir no mercado em caso de desestabilização.
Uma flutuação de preços superior a 10% seria o gatilho para uma investigação da UE. O setor de proteínas, em que o Brasil é potência mundial, é o que mais preocupa os fazendeiros europeus, mergulhados em uma crise econômica quase permanente.
Cerca de 10 mil deles, a maioria franceses, são esperados na quinta, em Bruxelas, em manifestação contra o acordo. Os protestos, na verdade, começaram na semana passada, quando o ministério da Agricultura da França ordenou o abate de centenas de animais acometidos por dermatose nodular, uma doença viral com surtos verificados também em Itália e Espanha.
O tratado de livre comércio é um dos poucos itens da agenda europeia que une os extremos do espectro político. À direita, populistas abraçam o pleito ruralista, em apropriação eleitoreira, enquanto à esquerda a preocupação é ambiental.
Na Europa, a imagem do agronegócio brasileiro é quase sempre conectada ao desmatamento, regulação falha e apráticas sanitárias duvidosas. No mês passado, por exemplo, um jornal irlandês publicou extensa reportagem mostrando como seus repórteres compraram medicamentos e hormônios que são proibidos pela legislação europeia.
O que está em jogo neste momento é a parte comercial do acordo, que foi separada neste ano de outros elementos do documento para driblar a exigência de aprovação em cada um dos Parlamentos dos 27 países-membros. Sua aprovação formaria um mercado de livre comércio com 722 milhões de consumidores, um dos maiores do mundo.
Pela primeira vez também um pacto de grande magnitude seria selado sem a anuência de um de seus Estados fundadores, o que evidencia o conturbado momento político europeu (Folha, 16/12/25)
Acordo UE-Mercosul pode avançar nesta semana: o que está em jogo para o agro brasileiro

Brasil e outros países do Mercosul apoiam conclusão do acordo, mas há resistências na Europa. Foto Wilton Junio- Estadão
Tratado comercial pode abrir mercados de países europeus, mas também exigir adaptações em cadeias de produção.
O acordo comercial entre União Europeia (UE) e o Mercosul, bloco que o Brasil integra, está em fase final de aprovação - embora ainda possa ser derrubado. Caso venha a ser confirmado, pode representar grandes ganhos para o agronegócio brasileiro em abertura de mercados.
O acordo deve ser votado nesta semana nos Parlamentos dos dois blocos econômicos. No Mercosul, há consenso entre os cinco países (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia) de que a aprovação é benéfica e necessária para as economias.
Já na Europa, há forte resistência por parte de alguns países, principalmente a França e a Polônia, que pretendem proteger justamente os setores agrícolas locais. Outros, como Espanha e Alemanha, apoiam a conclusão, assim como a liderança da UE, na esperança de aumentar o crescimento econômico.
O presidente francês, Emmanuel Macron, e a premiê italiana, Giorgia Meloni, tentam adiar a votação no Parlamento europeu, marcada para esta terça-feira, 16. Na ocasião, deverá ser discutido o texto que trata das “salvaguardas bilaterais” previstas no pacto, referentes à proteção de “produtos agrícolas sensíveis”.
Posteriormente, o Conselho Europeu, formado pelos 27 chefes de governo da UE, realizará outra votação pela aprovação do acordo, em que será necessário o voto favorável de 15 deles. No total, a representatividade deve ser de 65% da população do bloco.
O acordo UE-Mercosul, negociado ao longo de cerca de 25 anos e frequentemente travado perto da conclusão, é visto em Bruxelas como uma forma de diversificar os laços da Europa, de acordo com um porta-voz da Comissão Europeia.
Expectativa
Apesar da campanha contrária de franceses e poloneses, as autoridades europeias favoráveis seguem otimistas e já preparam a viagem para assinatura do acordo, que deve ocorrer em Foz do Iguaçu (PR).
No agronegócio brasileiro, a expectativa é de que o acordo proporcione a abertura de mercados, aumentando e facilitando as exportações do Brasil para a Europa. Declarações do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, e da senadora Teresa Cristina (PP-MS), vista como uma das principais representantes da bancada do agro no Congresso Nacional, dão conta da ansiedade do setor.
Em junho, o ministro creditou a realização do acordo ao presidente Lula e afirmou que a finalização devia ocorrer até março de 2026. Em maio, a senadora avaliou que, no atual redesenho global, a Europa ficou à margem da nova geopolítica imposta pelos Estados Unidos e agora vê o Mercosul com “outros olhos”.
Em artigo para o Agro Estadão, Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil, avaliou que “não haverá uma explosão de exportações de carne ou açúcar para a Europa”.
“No mundo real, o setor agrícola brasileiro, alçado como grande beneficiário, encontrará barreiras significativas. O acesso ao mercado europeu virá sob cotas restritas e tarifas ainda existentes em produtos sensíveis. O ganho real estará em áreas industriais, serviços e cadeias de valor vinculadas a padrões ambientais e tecnológicos”, escreveu.
Barral ainda reforçou que os exportadores que quiserem se beneficiar do acordo precisarão se preparar, mas terão tempo para tal. “Para o Brasil, o acordo trará tarefas inarredáveis. Será necessário adaptar cadeias produtivas, reforçar a rastreabilidade ambiental e lidar com padrões técnicos. O custo de adequação pode ser alto, mas abre acesso a investimentos e financiamento verdes. Para as empresas, a lentidão da implementação permitirá tempo para ajustes, desde que, num mundo de bifurcações, o Brasil não se renda à inércia”.
O acordo também trará um benefício paralelo: fortalece Mercosul e União Europeia para enfrentar possíveis tarifas de outros mercados. Apesar da UE ter chegado a um acordo por uma redução das tarifas impostas pelos Estados Unidos para 15%, e do Brasil ter tido uma parte de suas exportações retiradas da lista de produtos tarifados, ambos os blocos ainda tentam se resguardar de novos abalos.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, costuma ameaçar outros países de tarifas caso tomem ações que o desagradem, mesmo sem relação direta com questões comerciais. Assim, com a conclusão do acordo, o Brasil, os demais países do Mercosul e as nações da UE poderiam ter uma parceria comercial mais confiável e segura.
Uma adaptação que terá que ser feita é em relação à rastreabilidade nas cadeias de exportação de produtos, como soja, carne bovina, madeira e seus derivados, café, cacau, borracha e outros produtos agrícolas ou florestais. O EUDR, nova legislação europeia contra o desmatamento, entrará em vigor em dezembro de 2026 e exige checagens e comprovações sobre a origem do produto.
No entanto, para o Brasil, a nova lei pode acabar sendo uma oportunidade por algumas cadeias já estarem estruturadas, enquanto outros países ainda não têm georreferenciamento adequado ou sistemas de dados comparáveis.
O ponto mais sensível é o couro. A UE importa grandes volumes, 80% do couro brasileiro é exportado, e a rastreabilidade do produto se interrompe nos frigoríficos, porque não há uma questão sanitária envolvida.
A UE ainda discute como reconhecer sistemas nacionais de rastreamento, mas deve acabar adotando os mecanismos já existentes em cada país, o que pode beneficiar o Brasil (Estadão, 16/12/25)

