Itaú BBA: “Estamos com R$ 50 bi de carteira da porteira para dentro”
Pedro Fernandes, Diretor de Agronegócio do Itaú BBA. Foto Bernardo Medeiros
Por Vera Ondei
Pedro Fernandes detalha a estratégia de crescimento, os critérios de seletividade, o diagnóstico da “ressaca” dos grãos e o uso de dados climáticos e crédito verde.
Quando decidiu olhar o agronegócio como uma plataforma única, decisão tomada em 2018, o Itaú BBA reposicionou o negócio rural dentro do banco e acelerou a expansão da carteira. Em entrevista ao podcast da Forbes Brasil, o diretor de Agronegócio, Pedro Fernandes, afirma que a instituição saiu de um patamar de poucos bilhões de reais ao setor para uma exposição na casa de R$ 100 bilhões, com um plano estruturado até 2030.
“Em 2018 o banco tomou a decisão de que tinha uma subpenetração no agro e pôde repensar qual seria a estratégia, e que enxergamos hoje”, diz Fernandes. “Mais do que separar entre pessoa física, pessoa jurídica ou região geográfica, era preciso ter uma plataforma de agro que entendesse do insumo, do produtor, de quem vai comprar o grão, de quem vai processar esse grão.”
Na avaliação do executivo, a visão de cadeia completa permitiu identificar com mais precisão os momentos de necessidade do setor, os períodos de maior rentabilidade e os pontos de risco ao longo do ciclo produtivo. “Olhar o agro como uma plataforma tem sido uma das grandes vantagens competitivas, porque o Itaú BBA entende em qual momento dos ciclos está a necessidade de caixa, onde está a rentabilidade e onde estão os riscos”, afirma.
Essa mudança aparece de forma direta na carteira destinada à produção agropecuária. “Quando assumi o mandato em 2017, o banco tinha uma carteira talvez de R$ 3 bilhões, R$ 4 bilhões da porteira para dentro”, afirma o Fernandes.
“Hoje estamos com R$ 50 bilhões de carteira da porteira para dentro e crescemos bastante em toda a indústria, antes e depois da porteira.”
No consolidado, olhando para trás, os atuais R$ 100 bilhões no agro eram de cerca de R$ 30 bilhões em 2020. “O Itaú BBA se propõe a crescer em 2026 e tem um plano de negócio bem desenhado para 2030.”
A expansão veio acompanhada de um processo de especialização por cadeias produtivas. Fernandes cita o caso de açúcar e etanol, área em que o banco começou a montar equipe dedicada em 2009, como laboratório para esse modelo. “Quando comparamos a nossa carteira de açúcar e etanol com os outros bancos, não só somos líderes, somos maiores que o segundo, o terceiro, o quarto e o quinto somados”, afirma.
Nos grãos, o roteiro seguiu um caminho semelhante: o Itaú BBA partiu da soja e do milho e, em seguida, adicionou times voltados para frutas no Nordeste e outras culturas de maior valor por hectare. “Hoje existem equipes dedicadas, por exemplo, a frutos no Nordeste e com uma série de oportunidades de negócio”, diz.
Seletividade e olhar de longo prazo
O crescimento da carteira foi acompanhado de uma política de análise centrada nas pessoas que conduzem o negócio rural. “Fundamental é avaliar quem está por trás daquela operação”, afirma Fernandes. “Qual é a capacidade de execução no campo e como essa pessoa enfrenta os desafios.”
Segundo ele, há casos em que a governança corporativa, a gestão administrativa e o sistema de controle de riscos ainda não acompanham o tamanho da fazenda ou da empresa. Nesses clientes, o banco atua também como estruturador. “Vemos uma grande oportunidade de contribuir em política de risco, em investigação de riscos administrativos, riscos de cibersegurança. Isso é algo em que conseguimos ajudar”, diz.
Os limites, porém, são definidos pela capacidade de produzir e de enfrentar problemas. “Se não produz bem ou se, na hora em que tem um problema, o problema não é encarado e resolvido, e sim empurrado para o colo de alguém, para esse o Itaú BBA é muito seletivo”, afirma. “Preferimos não trabalhar, muito mais do que ter uma participação secundária em algum cliente. O banco prefere ser protagonista, prefere ser o primeiro banco dos clientes com quem decide trabalhar.”
Fernandes resume essa diretriz com a ideia de construir relações de geração. “O Itaú BBA entende que precisa ter um olhar geracional. É necessário estar pronto para ficar lá 20 anos, conhecendo muito bem a pessoa à frente do negócio”, diz. Ele reconhece que a inadimplência subiu em relação a três anos atrás, mas destaca que permanece em patamar controlado, sustentada pela combinação de seletividade e proximidade com a base de clientes.
A “ressaca” dos grãos e o aperto nas margens
O pano de fundo dessa estratégia é um ciclo mais apertado para o agronegócio, depois de anos de margens elevadas. Fernandes descreve o momento atual como uma “ressaca prolongada”, especialmente em grãos. “Essa ressaca vem de uma combinação de fatores”, afirma. “Vivemos um período de remuneração muito elevada, especialmente em grãos, de 2021 a 2023, e quando as coisas estão dando certo é natural que o empresário tire todos os projetos da gaveta.”
De acordo com ele, produtores e empresas investiram em compra de áreas, novas estruturas de armazenagem, troca de maquinário e expansão de redes de distribuição. Esse movimento ocorreu num cenário de preços altos e juros mais baixos. “Hoje, a soja disponível está em torno de R$ 108 em Mato Grosso, já esteve a R$ 180, então caiu o preço nominal”, afirma. Ao mesmo tempo, a taxa básica de juros saiu da casa de 6% para perto de 15% no período recente.
“Os empresários se encontraram alavancados”, resume. “Estamos passando por um momento em que a conta está mais apertada. A relação de troca para grãos está um pouco pior do que nas últimas safras, sobram menos sacas por hectare para pagar arrendamento, juros e parcelas de financiamento.”
Fernandes estende esse diagnóstico a outras cadeias do campo. Mas no caso do açúcar e do etanol, por exemplo, essas commodities passaram por um período de margens melhores e, segundo ele, várias empresas criaram um colchão financeiro para enfrentar fases de preços mais baixos.
Ainda assim, o ajuste de estrutura e o reequilíbrio de balanços também estão na agenda. Para o diretor, os anos de 2025 – quase consolidado – e 2026 tendem a ser marcados por esse trabalho de passagem, sem mudar a visão de longo prazo sobre o Brasil. “Quando olhamos pra frente, temos uma visão de médio e longo prazo de um futuro brilhante, só que estamos passando por um momento de dor em muitas das commodities”, afirma.
Tecnologia, clima e transição para uma agricultura mais verde
Na leitura do Itaú BBA, o ciclo de preços apertados coincide com uma mudança estrutural na forma de conceder crédito rural. A instituição já utilizava dados de satélite, informações climáticas e sistemas de monitoramento socioambiental desde a origem da carteira, mas a função dessas ferramentas mudou.
“Desde que o negócio foi montado, sempre houve preocupação com compliance e respeito às normas socioambientais. Isso é jogar na defesa: garantir que os empréstimos do Itaú BBA são feitos para clientes que respeitam a legislação ambiental”, afirma Fernandes. Segundo ele, o banco passou a analisar uma matriz com 43 dimensões, incluindo embargos, listas restritivas e sobreposição com terras indígenas, para reduzir o risco de o cliente não conseguir vender o produto ou de o banco ser questionado pela sociedade civil.
Há cerca de dois anos, o banco revisou esse modelo e passou a tratar a agenda ambiental como vetor de crescimento.
“A grande oportunidade para o Brasil continuar crescendo e ocupando mercado é vender o país como o agro mais sustentável do mundo”, diz Fernandes.
“Essa passou a ser a missão: identificar quem tem as melhores práticas, as melhores decisões, menor intensidade de carbono, e mostrar isso”, afirma.
Desse movimento surgiu uma carteira específica de crédito verde. “Quando falamos que a estratégia deixou de ser jogar na defesa para jogar no ataque, agora temos R$ 5,2 bilhões de crédito verde na mão do produtor”, diz o executivo.
As operações oferecem condições diferenciadas de taxa ou prazo para quem entra em programas de transição produtiva e ambiental, sempre atrelados a metas de melhoria. “A preocupação é que essa transição não seja excludente”, acrescenta. “Continuamos oferecendo produtos para todos os clientes; quem entra nos programas ganha algum benefício e, em troca, assume obrigações que o tornam mais resilientes às mudanças climáticas.”
Na ponta do crédito, o diretor também observa uma mudança significativa no discurso dentro das fazendas. “A mudança climática passou a ser uma preocupação dos agricultores brasileiros”, afirma. “Alguns falam que está chovendo menos, outros contam que a sensação térmica no veranico chegou a 40 graus. Isso é mudança climática.” Segundo ele, práticas como manutenção da palhada no campo, uso de biológicos e manejo de solo já funcionam como instrumentos de mitigação de emissões e de adaptação da capacidade produtiva.
Para Fernandes, essa agenda tende a se consolidar no sistema financeiro à medida que bancos, investidores e produtores convergem para a mesma base de dados e indicadores. “Para o Itaú BBA essa ficha já caiu, e isso é muito verdadeiro quando falamos do agro”, diz ele. “Dentro da porteira, os benefícios são evidentes quando o produtor adota práticas regenerativas. Pouca gente está andando para trás.” (Forbes, 2/12/25)

