01/06/2020

Mais degradação ambiental – Editorial O Estado de S.Paulo

Mais degradação ambiental – Editorial O Estado de S.Paulo

Nos últimos dois anos o desmatamento na Mata Atlântica aumentou quase 30%.

 

Entre 2018 e 2019 o desmatamento na Mata Atlântica aumentou 27,2% em relação ao biênio anterior, atingindo um total de 14.502 hectares, segundo o último Atlas da Mata Atlântica, elaborado pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O aumento ocorre após dois períodos consecutivos de queda.

A Mata Atlântica, um dos biomas mais ricos em biodiversidade do mundo, ocupava originalmente mais de 1,3 milhão de km² em 17 Estados do território nacional. Hoje restam apenas cerca de 12% de sua cobertura original.

Em termos de volume de desmatamento, mais uma vez o Estado campeão foi Minas Gerais, que teve uma perda de quase 5.000 hectares. Em segundo lugar ficou a Bahia, com 3.532 hectares, seguida pelo Paraná, com 2.762 hectares. Em relação ao aumento do desflorestamento, o pior desempenho foi o da Bahia, com um crescimento de 78%; depois Minas Gerais, com 47%; e Paraná, com 35%.

Há algumas boas notícias. Piauí e Santa Catarina tiveram redução no desmatamento de 26% e 22%, respectivamente. Além disso, nove Estados mantiveram desmatamento zero, e, como destacou Marcia Hirota, diretora executiva da SOS Mata Atlântica, “pela primeira vez dois Estados conseguiram zerar os desmatamentos acima de três hectares: Alagoas e Rio Grande do Norte”.

São Paulo é um dos Estados que mantiveram o desmatamento zero. Por outro lado, há indícios de que estão aumentando as implantações de loteamentos clandestinos nas zonas da Mata Atlântica na cidade de São Paulo. Um dossiê recentemente elaborado com dados da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo pelo vereador e ex-secretário municipal do Verde e Meio Ambiente de São Paulo Gilberto Natalini (PV) estima que na zona sul da capital essas áreas teriam crescido de 90 para 160 em menos de um ano, atingindo cerca de 7,2 milhões de metros quadrados.

As ocupações ocorrem há décadas sob o olhar complacente das autoridades. As quadrilhas vendem terrenos e imóveis e cobram aluguéis e taxas de proteção de cerca de 1,5 milhão de moradores. A situação tem se agravado com a entrada do Primeiro Comando da Capital (PCC) no “negócio”, e deve se agravar ainda mais com a pandemia. As medidas de contenção inviabilizaram porções consideráveis das atividades das facções criminosas, em especial do tráfico de drogas, o que deve levá-las a buscar novas fontes de recursos.

Além das extorsões, fraudes e estelionatos imobiliários, a situação é particularmente preocupante porque os assentamentos em zonas de mananciais no entorno das Represas Billings e Guarapiranga podem aumentar o fluxo de esgoto sem tratamento e com substâncias químicas, pondo em risco a saúde dos 5 milhões de paulistanos abastecidos por elas.

O aumento dos desmatamentos, invasões predatórias e assentamentos clandestinos na Mata Atlântica é apenas o mais recente capítulo da alarmante escalada da degradação da reputação do Brasil na comunidade internacional. Dados do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia mostram que o total de áreas devastadas na Floresta Amazônica em abril foi 171% maior em relação ao mesmo período de 2019.

Não há dúvida de que essas agressões ambientais são uma mazela que antecede em muito o governo Bolsonaro. Mas tampouco há dúvida de que estes retrocessos agudos foram em grande parte estimulados pela franca hostilidade às causas ambientais do presidente da República e de figuras-chave do governo, como o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o próprio ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. No início de maio, por exemplo, aproveitando-se do pânico e da desorientação da população em meio à pandemia - também inflamados por Bolsonaro -, o governo aprovou um decreto esvaziando prerrogativas do Ibama e do Instituto Chico Mendes. Não à toa, na infame reunião ministerial que veio a público por ordem do STF, Salles disse, com linguajar involuntariamente revelador, que era preciso aproveitar o “momento de tranquilidade” (!) para seguir “passando a boiada e mudando todo o regramento” (O Estado de S.Paulo, 31/5/20)