07/05/2018

‘O lado rural dos EUA tem raiva das mudanças no país’

‘O lado rural dos EUA tem raiva das mudanças no país’

O sociólogo e professor de Princeton Robert Wuthnow estudou por oito anos as comunidades rurais dos EUA para entender a desagregação americana.

Os milhões de americanos que vivem em pequenas comunidades rurais nos EUA estão com raiva. A eleição de 2016 provou isso, mas foi apenas a ponta do iceberg. “Os americanos rurais têm uma percepção de que os centros urbanos, e os centros de poder como Washington, estão ameaçando o estilo de vida de pequenas cidades e suas tradições”, diz Robert Wuthnow, sociólogo e professor da Universidade de Princeton. 

Para fazer o livro The Left Behind: Decline and Rage in Rural America (Os esquecidos: Declínio e raiva nos EUA rural, em tradução livre), ele passou oito anos pesquisando cidades com menos de 25 mil habitantes para entender como e o que pensa a América profunda. Das 19 mil cidades americanas, 18 mil têm menos de 25 mil habitantes e 14 mil estão localizadas fora de áreas urbanas. Em entrevista ao Estado, ele conta o que descobriu sobre a desagregação dos EUA.

Por que os americanos de zonas rurais estão com raiva?

Eles estão menos preocupados com questões econômicas e mais preocupados com o que chamam de declínio moral americano. Trata-se de uma percepção de que os centros urbanos, e os centros de poder como Washington, estão ameaçando o estilo de vida de pequenas cidades e suas tradições. Eles sentem raiva das mudanças porque não conseguem entender o que acontece nos EUA. 

Quem são esses americanos que o senhor estudou?

A identidade deles está profundamente conectada com suas comunidades. Não podemos entender os americanos rurais pensando neles apenas como indivíduos. Eles precisam ser entendidos em termos de suas comunidades, que eu chamo de comunidades “morais”, porque as pessoas sentem que têm uma obrigação moral perante elas. Essas comunidades definem seu modo de vida. Mas esses modos de vida estão se esvaindo. A população está em declínio, as escolas estão fechando, os empregos estão desaparecendo e os jovens estão se afastando. Mesmo as famílias que estão indo bem economicamente sentem as mudanças. Eles estão tendo de se deslocar mais para o trabalho e para fazer negócios. As forças que moldam a sociedade estão além de seu controle. As pessoas se sentem ameaçadas e incompreendidas.

O livro do senhor se chama “Os esquecidos”. Essas pessoas foram de fato esquecidas?

Isso é em grande parte uma escolha. Não é como se essas pessoas estivessem desesperadas para sair dessas comunidades. Eles as valorizam, entendem seus problemas, mas gostam de conhecer seus vizinhos, do ritmo lento da vida e viver em uma comunidade pequena e fechada. Eles optam por ficar, mas se reconhecem como sendo deixados para trás porque são os únicos em sua família e em suas redes sociais que permaneceram onde estavam. Muitas vezes seus filhos já foram embora para a faculdade ou em busca de um emprego melhor em outro lugar. Nesse sentido, eles acreditam que são eles que ficaram nessas pequenas cidades, enquanto os outros seguiram em frente.

Como Washington afeta a vida destas pessoas?

Pela minha pesquisa, não afeta. Fica evidente que se trata de um bode expiatório para as aceleradas mudanças demográficas e sociais pelas quais os EUA têm passado. É o ressentimento que acaba sendo direcionado para os políticos de que eles não gostam, ou para pessoas que parecem diferentes deles. Há uma sensação de que as coisas estão indo mal e o impulso é culpar os outros. Eles acreditam que Washington realmente tem poder sobre suas vidas. 

Por que o senhor diz que é evidente? Como sua pesquisa mostra essa relação?

A pesquisa foi realizada entre 2006 e 2014 e conversamos com pessoas de todos os Estados. Basicamente, nos limitávamos a cidades pequenas com menos de 25 mil pessoas e apenas aquelas que ficavam longe de subúrbios ou cidades. As mudanças nessas cidades provocaram uma profunda alteração demográfica, que afetou toda a dinâmica populacional.

De que maneira?

As maiores diferenças são entre cidades com menos de 5 mil habitantes e cidades com mais de 25 mil pessoas. Enquanto a maioria das cidades menores está em declínio econômico, a maioria das grandes e médias se sustenta ou cresce. Ajuda o crescimento ser uma sede de condado ou estar localizada perto de uma rodovia. Cidades com melhor clima também estão indo bem. A agricultura é o esteio da pequena cidade americana, mas os trabalhos mais comuns são em serviços. Fiquei surpreso com quantas cidades têm pequenas fábricas. Muitas, é claro, estão lutando para impedir o fechamento delas.

Como isso afetou a eleição de 2016?

Muitos fatores entraram na eleição presidencial. Os eleitores rurais votaram em massa em Trump, mas minha pesquisa estava preocupada em compreender em um nível mais profundo o que as pessoas de pequenas cidades valorizam e por que se sentem ameaçadas. Você tem de gastar tempo em comunidades rurais e conversar longamente com as pessoas para entender isso. Normalmente, elas não falam sobre política. Eles vivem dia a dia, indo para o trabalho, levando seus filhos para a escola, como voluntárias em uma igreja ou clube local. Se você vê os americanos rurais apenas como eleitores, você perde a distorção de sua vida cotidiana.

O que eles querem dizer quando falam em declínio moral? 

O que conta como moral varia de um lugar para outro. No sul, por exemplo, você tem padres e pastores que são veementemente contra o aborto ou a homossexualidade, e pregam isso nos púlpitos. Mas eles fecham os olhos para políticas que prejudicam os pobres ou discriminam as minorias. O que eu ouvi é um medo geral de que as regras morais tradicionais estejam sendo eliminadas por um governo que não entende as pessoas que ainda acreditam nessas coisas.

Como o senhor avalia essa ideia de declínio moral?

Eu cresci nos EUA rural. Eu ainda tenho muito carinho pela região, mas isso tudo é um pouco deprimente. As preocupações com o declínio moral costumam errar o alvo. Minha pesquisa mostra que muitos americanos nessas pequenas cidades estão simplesmente reagindo a um país que está se tornando mais diversificado – racialmente, religiosamente e culturalmente. Eles não sabem como lidar com isso. E é por isso que a divisão entre a América rural e a urbana está se tornando intransponível (O Estado de S.Paulo, 5/5/18)