26/09/2019

O pensamento estratégico das Forças Armadas subiu à tribuna da ONU

O pensamento estratégico das Forças Armadas subiu à tribuna da ONU

Se havia alguma percepção de dubiedade nas relações entre o presidente Jair Bolsonaro e as Forças Armadas, tudo se cala diante do seu pronunciamento, ontem, na Assembleia Geral da ONU. O discurso de Bolsonaro deu transparência ao pensamento dos militares, levando para o púlpito das Nações Unidas a visão do Exército, Aeronáutica e Marinha em relação às questões mais sensíveis no atual xadrez geopolítico mundial.

 As fontes do RR permitem afirmar enfaticamente: o presidente falou pelas e para as lideranças militares do país - além, é claro, do seu próprio eleitorado. Os mentores palacianos são os de sempre: o ministro-chefe do GSI, general Augusto Heleno, e seu assessor e ex-comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. Ambos foram os arquitetos intelectuais do discurso proferido por Bolsonaro em Nova York.

 As Forças Armadas concordaram tacitamente com o teor do pronunciamento. Até porque é o que pensam. De acordo com a mesma fonte, os generais de Exército Valério Stumpf e Tomás Ribeiro Paiva foram dois importantes interlocutores entre o Palácio do Planalto e os oficiais da ativa no processo de articulação do pronunciamento presidencial. Ambos têm estreitos laços pessoais com os generais Heleno e Villas Bôas.

 Até três meses atrás, o general Stumpf era o chefe de gabinete do ministro do GSI. Por sua vez, o general Tomás foi chefe de gabinete do general Villas Bôas no comando do Exército. Ressalte-se que os dois foram promovidos a quatro estrelas simultaneamente, em junho, “caroneando” o então porta-voz do Palácio do Planalto, general Rêgo Barros, que automaticamente perdeu a vaga no Alto-Comando e foi para a reserva. O ‘making of’ do discurso de Jair Bolsonaro foi mais uma demonstração da desimportância do Itamaraty.

 O ministro Ernesto Araújo esteve presente na ONU como figurante de um teatro de marionetes. Passou ao largo da formulação da estratégia que ditou a apresentação de Bolsonaro. Mesmo porque o que se ouviu ontem na ONU não poderia mesmo ser um pronunciamento esculpido na instância das Relações Exteriores. Talvez no mais agressivo ‘speech’ de um presidente brasileiro na Assembleia Geral, Bolsonaro relançou, na tribuna das Nações Unidas, a "Guerra Fria" em sua versão latina.

 Ao abrir fogo contra o socialismo – palavra seis vezes citada –, reagir à “guerra informacional” das grandes potências em sua investida sobre a Amazônia e defender com veemência a soberania nacional, Bolsonaro deu uma nova dimensão ao acordão ideológico com o governo Trump. De certa forma, pode-se dizer que a coalizão não envolve apenas o Palácio do Planalto e a Casa Branca.

 Passa também pelo Forte Apache, em Brasília, e pelo Pentágono, em Washington, em função do entrelaçamento de interesses geopolíticos e na área de Defesa entre os dois países. Por mais que o afinamento ideológico entre Trump e Bolsonaro seja carregado de excessos de parte a parte, se há uma área que pode se beneficiar do entrosamento entre Brasil e Estados Unidos é o setor de Defesa.

 As Forças Armadas brasileiras vislumbram importantes oportunidades na reaproximação com os norte-americanos, após um período relações insossas na gestão petista. As expectativas vão da transferência de tecnologia e parcerias em torno de importantes projetos militares no país – a exemplo do Sisfron (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras) – ao reconhecimento do Brasil como um aliado militar estratégico dos Estados Unidos fora do âmbito da Otan.

 Na categoria do Olimpo, o sonho dos sonhos seria a vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU, uma questão, sabe-se, bastante complexa e de difícil probabilidade. Talvez o prêmio de uma submissão tão larga esteja barato, diante da notória assimetria de contrapartidas entre os dois países. A ver o que ainda está por vir (Relatório Reservado, 25/5/19)