O suicídio moral do SBT - Por Paula Sousa
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Se houvesse um manual de como destruir uma reputação construída ao longo de décadas em apenas uma noite, o SBT acabou de escrever o capítulo final.
O que vimos recentemente não foi apenas uma mudança editorial ou uma estratégia de "boa vizinhança" com o governo de turno. O que assistimos foi um desmanche, uma verdadeira implosão dos valores que, por anos, fizeram da emissora de Silvio Santos o canal da família brasileira.
Esqueça aquela imagem do SBT popular, que falava a língua do povo. A emissora decidiu trocar o seu DNA. O lançamento do tal "SBT News", que deveria ser um marco jornalístico, transformou-se em algo que beira o inacreditável: um palanque de luxo para o atual regime.
A cena era dantesca. Justamente na data que marcaria o aniversário de 95 anos de Silvio Santos, a direção do canal não preparou uma homenagem à altura do patrão. Em vez disso, transformaram o palco em um altar de adoração ao Estado.
Estavam lá todos os figurões que o brasileiro médio, aquele que carrega o piano nas costas, tem dificuldade de engolir.
Lula, Janja, Alckmin e a "Liga da Justiça" completa do STF: Alexandre de Moraes, Lewandowski, Gilmar Mendes, Bruno Dantas. Até Tarcísio de Freitas apareceu, parecendo um peixe fora d'água naquele aquário ideológico.
Ver o Executivo e o Judiciário de mãos dadas, trocando sorrisos e afagos em um evento privado de uma concessionária pública, não é apenas feio. É um escândalo moral.
O discurso foi o esperado: aquela troca de elogios mútua, com o presidente agradecendo o empenho do Supremo, numa simbiose que deveria assustar qualquer democrata. Mas o choque maior não foi ver os políticos sendo políticos.
Foi ver a emissora aplaudindo tudo isso como se fosse a coisa mais natural do mundo.
O público, que pode ser simples mas não é bobo, reagiu na hora. A resposta foi visceral.
Patrícia Abravanel sentiu o golpe no bolso da influência digital: perdeu mais de 200 mil seguidores num piscar de olhos. Não foi uma oscilação de algoritmo, foi um recado claro.
O telespectador olhou para aquilo e disse: "Essa não é a minha casa".
Mas o golpe de misericórdia, aquele que realmente expôs a fratura exposta na alma da emissora, veio de quem menos se esperava.
Zezé Di Camargo, uma das vozes mais populares deste país, não precisou de textão jurídico ou nota oficial cheia de termos vazios. Ele foi cirúrgico.
Zezé anunciou o rompimento com o SBT. E fez mais: pediu que o seu Especial de Natal, já gravado, editado e pronto para ir ao ar, fosse para o lixo. Imaginem o peso disso. É um artista jogando fora horas de trabalho e exposição em horário nobre porque se recusa a compactuar com o que a emissora se tornou.
A fala do cantor foi um soco no estômago da nova direção. Ele disse, com todas as letras, que as filhas de Silvio Santos pensam "totalmente diferente do que o pai pensava". Zezé lembrou de um mandamento básico: filho que não honra pai e mãe não prospera.
Ele deixou claro que seu compromisso é com o povo brasileiro, e que o povo não está representado naquela festa estranha cheia de gente esquisita.
Ao fazer isso, Zezé não agiu como militante político, mas como um cidadão com vergonha na cara. Ele tirou a legitimidade daquela bajulação toda. Mostrou que apoiar esse estado de coisas tem um custo alto.
E se alguém achava que era exagero, a história de Agustin Fernandez veio para confirmar que o buraco é mais embaixo.
O maquiador revelou que gravou um programa inteiro no SBT que nunca viu a luz do dia. O motivo? Segundo fontes internas, o veto teria vindo da atual primeira-dama, a "deslumbrada", simplesmente por ele ser amigo de Michelle Bolsonaro.
Vejam a gravidade da situação. Temos uma primeira-dama que, em vez de se dedicar a causas sociais ou visitar hospitais, supostamente gasta tempo censurando convidados de TV por ciúme político. É o ativismo mesquinho exercendo poder nos bastidores.
E o SBT, em vez de defender sua liberdade artística, abaixou a cabeça.
A emissora permitiu que o partidarismo contaminasse sua grade. Aceitou que a política do rancor ditasse quem aparece ou não na tela.
E para quem ainda tenta justificar dizendo que "Silvio Santos sempre foi governista por causa da concessão", é preciso traçar uma linha. Silvio era pragmático, sim. Ele sabia jogar o jogo para manter a empresa viva. Mas o que as herdeiras estão fazendo é outra coisa. É uma adesão ideológica, uma festa íntima, uma entrega total.
A maior prova da falta de respeito dessa nova gestão com a memória do fundador está na própria atitude de Lula. Um dia após a morte de Silvio Santos, o atual presidente teve a audácia de dizer que o apresentador o havia procurado com medo de ser preso por causa das fraudes no Banco Panamericano.
Lula usou a morte de um ícone para contar vantagem e insinuar covardia, manchando a biografia do "Dono do Baú" quando ele já não podia se defender. E qual é a resposta do SBT meses depois? Estender o tapete vermelho para quem difamou seu pai. Colocar holofotes e microfones para quem desdenhou da memória do fundador da casa.
Isso não é pragmatismo. Isso tem outro nome. É falta de espinha dorsal.
O SBT que conhecíamos, aquele que era uma alternativa leve, divertida e popular, parece ter morrido junto com Silvio. O que ficou no lugar é uma carcaça ocupada por interesses que não conversam com a audiência. Zezé Di Camargo percebeu isso e pulou do barco antes que ele afundasse na própria lama.
O público está fazendo o mesmo
A festa de lançamento do SBT News não foi o início de uma nova era. Foi o velório da identidade de uma emissora que decidiu virar as costas para o povo para ganhar aplausos de Brasília. E como bem sabemos, aplauso de político não paga conta e nem traz audiência. O SBT escolheu seu lado, e infelizmente, não foi o lado de quem o sustentou por mais de quarenta anos. (Paula Sousa é historiadora, professora e articulista; 16/12/2025)

