Quando o canhão vira para quem criou o artilheiro – Por Paula Sousa
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). FotoMarcelo Camargo- Agência Brasil
O mais novo episódio da saga da política brasileira, nos presenteia com o embate épico entre o atual presidente apresentando sinais de senilidade, Lula, e o barão do Senado, Davi Alcolumbre, tudo isso temperado pela sombra onipresente do “Gênio Xandônico”, o supremo feiticeiro que, aparentemente, decidiu que a lâmpada é pequena demais para o seu ego.
A faísca que acendeu o circo foi a notinha de Alcolumbre, solene e indignada, avisando a quem quisesse ouvir – especialmente ao Planalto – que o “Senado não está à venda” no nebuloso caso da indicação de Messias para uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Ora, vejam só! Um senador de notória influência no "mercado" de apoios legislativos se ofende com a insinuação de que um cargo vitalício na mais alta corte do país possa ser negociado por apoios políticos. É de uma pureza de dar inveja a um recém-nascido. A briga, no fundo, é um balé feio e desengonçado pelo único poder que ainda parece funcionar neste país: a caneta.
A caneta de ouro e o STF: Fim da separação, início da confusão
A grande ironia dessa disputa é que ela revela, com uma transparência quase obscena, que a conversa sobre "separação de poderes" já virou piada interna de quem ainda tenta vender curso de Direito Constitucional na internet. Há tempos, o Executivo não governa sem ter de agradar o Judiciário, e o Legislativo se curva ou é forçado a se calar sob a ameaça de decisões monocráticas.
No centro desse terremoto, está a indicação para o STF. Em tese, a Constituição é clara: o presidente escolhe, o Senado aprova. Mas, convenhamos, a Constituição virou um velho pergaminho mofado. Quem realmente decide agora é a força do veto, a pressão do establishment e, claro, o humor do ministro que se tornou a Mônica do Judiciário: ele manda no coelhinho, e se alguém reclamar, ele bate com o Sansão.
Alcolumbre se postou como um vigilante da moralidade (ri alto agora), mas a crítica é direcionada a Lula, que precisa de um "sim" do Senado para emplacar seu escolhido. É um jogo de chantagem velada, onde o Planalto tenta comprar apoio e o Senado (na figura de Alcolumbre e sua turma) eleva o preço, fingindo que está defendendo a nação quando, na verdade, só está negociando a própria fatia do bolo. O problema é que, por trás dos dois, há um terceiro elemento que não está jogando mais com as regras de ninguém.
A mídia, o monstro e o “Xandão”
E aqui, caros leitores, chegamos ao ponto central, a cereja do bolo azedo da nossa “democracia”. A mídia tradicional, essa guardiã auto-proclamada da verdade e da justiça, está em desespero. Por quê? Porque o monstro que ela ajudou a criar e alimentar, o tal “Gênio Xandônico”, saiu da lâmpada e decidiu que não volta mais.
Vamos ser francos:
- Enquanto o Judiciário estendia seus tentáculos sobre o governo Bolsonaro, interferindo, prendendo e cassando opositores sob a capa de proteger a "democracia" (do jeito que eles queriam), estava tudo nos conformes. Os colunistas batiam palmas, os editoriais celebravam a coragem e a resistência de um Judiciário "forte". As ilegalidades? Ah, eram apenas "pequenos deslizes" em nome de um bem maior. O inimigo (Bolsonaro) estava sendo fustigado. Missão cumprida.
- Agora que a mira do canhão, carregado com decisões que ignoram a lei, se volta para a trupe de Lula e seus asseclas, a coisa muda de figura. De repente, a caneta do STF não pode mais ser tão livre! O "excesso" de poder se tornou um problema! As “Malu Gaspares” e os “Pablos Ortelhados” da vida, que antes vendiam a ideia de que o super-poder do STF era necessário para salvar a República, agora sussurram que o Gênio precisa de uma coleira.
É o ciclo vicioso de toda ditadura (ainda que a nossa seja togada):
- Perseguem-se os opositores: A mídia e a massa de manobra de parte da sociedade aplaudem, pois é "necessário".
- Perseguem-se os elos fracos dos companheiros: O ditador começa a sentir que o poder é mais gostoso sozinho. Os antigos aliados sentem a picada e começam a "tirar o corpo fora".
- Persegue-se o povo e os críticos: É a fase final, quando não há mais ninguém para frear o poder.
O Xandão, com seu apetite insaciável por poder, já começou a mirar nos próprios "amigos". A crítica de Alcolumbre à indicação de Lula é uma das primeiras balas a atingir o Planalto, e o STF, nesse contexto, pode ser o fiel da balança, decidindo quem senta na cadeira por critérios que não são mais legais, mas puramente políticos e de conveniência.
A mídia, então, se encontra nesse dilema delicioso: ela ajudou a inflar o balão do autoritarismo judicial para derrubar quem odiava, e agora esse balão está caindo na cabeça de quem ela apoia. É o clássico "eu avisei, mas só quando a água bateu na minha bunda". Eles tentam desesperadamente fingir que sempre foram contra os "excessos", ignorando que o excesso de hoje é apenas o preço do silêncio de ontem.
Não, o “gênio xandônico” não voltará mais para a lâmpada. Poder, meu amigo, é um vício terrível, mais pesado que crack. E é uma verdade cruel: quem tem o poder de criar as regras do jogo, nunca mais vai querer jogar pelas regras dos outros.
O Brasil, que tanto se gabou de ter se livrado de uma ditadura militar, agora parece caminhar alegremente para uma ditadura de togas, arquitetada por aqueles que deveriam ser os primeiros a defender a lei, mas que se tornaram os seus maiores violadores. E a mídia? A mídia assiste a tudo, tentando agora, pateticamente, costurar as feridas de um monstro que ela ajudou a despertar. (Paula Sousa é historiadora, professora e articulista; 2/12/2025)

