Trump soma ameaças militares às econômicas – Editorial Folha
- Republicano mira Maduro, mas, por abjeto que seja o ditador, é ingerência que se imaginava extinta na região
- Casa Branca declarou que usaria seu poder para proteger a liberdade de expressão no mundo, pretexto para as sanções comerciais ao Brasil
Em 1949, os Estados Unidos finalizaram a transformação do antigo Departamento da Guerra, existente desde 1789, na pasta da Defesa. A ideia era promover, à luz da destruição de dois conflitos mundiais, um conceito de preservação da paz em detrimento da agressão.
Tratava-se, sim, de uma fachada que cobria a maior máquina bélica da história, consumindo quase 40% do gasto do setor no mundo e nunca se furtando de atacar quando se achasse necessário. Mas havia, no mínimo, a preocupação com o simbolismo.
Donald Trump, fiel a seu estilo iconoclasta, decidiu retomar a terminologia anterior alegando sua adequação aos nossos tempos. Que ele o faça em campanha pelo Nobel da Paz é uma cereja irônica no bolo.
Na prática, além de já ter atacado o Irã, Trump mostra disposição para mobilizar seu aparato militar em um ambiente pouco acostumado a isso, o Caribe.
É um tira-teima que se arrasta desde seu primeiro mandato, quando tentou organizar uma derrubada à força da ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela.
Trump elevou para US$ 50 milhões a recompensa pela captura do rival, e há três semanas enviou forças adicionais à região para o combate a cartéis de narcotraficantes, com foco nas organizações venezuelanas que diz serem comandadas pelo regime.
O deslocamento é robusto, com ao menos oito navios de guerra e um submarino rumando para a região, incluindo 2.500 fuzileiros embarcados. A alguns deles, o vice-presidente J. D. Vance disse em ato público que não se tratava de um treinamento.
Um barco com supostos traficantes venezuelanos foi explodido sem tentativa de apreensão, numa ação questionável sem autorização do Congresso. Trump decretou que cartéis são grupos terroristas, de modo que possam ser atacados mais livremente.
Maduro ensaiou reagir anunciando uma mobilização e mandando caças passarem perto de um destróier dos EUA. Ato contínuo, Trump enviou dez caças avançados F-35 para Porto Rico. Ainda que Maduro retenha alguma capacidade de travar combates assimétricos, a força americana mobilizada suplanta todo o fogo disponível para Caracas.
Talvez a pressão sirva para tentar encorajar golpes palacianos, mais do que ensejar uma improvável invasão. De todo modo, por abjeto que seja o ditador, é o tipo de ingerência que se esperava extinta na América Latina.
Uma desestabilização desafia o Brasil, que se afastou de Maduro em 2024, mas cuja fronteira é suscetível ao influxo de refugiados. Em crise comercial com Trump, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apontou para o risco.
Foi nesse contexto que a Casa Branca declarou nesta terça (9), durante o julgamento de Jair Bolsonaro (PL), que usaria seu poder econômico e militar para proteger a liberdade de expressão mundo afora —é a justificativa de Trump para as sanções tarifárias impostas ao Brasil. (Folha, 10/9/25)

