21/06/2018

Um recorde preocupante – Editorial O Estado de S.Paulo

Um recorde preocupante – Editorial O Estado de S.Paulo

Índice de Confiança do Empresário Industrial (Icei) despencou 5,9 pontos.

Mais um recorde negativo foi alcançado na economia brasileira, como consequência da paralisação do transporte rodoviário em maio e das medidas adotadas pelo governo para atender os transportadores. De maio para junho o Índice de Confiança do Empresário Industrial (Icei) despencou 5,9 pontos, a maior queda mensal anotada na série iniciada em 2010. Com esse tombo, o indicador passou de 55,5 pontos para 49,6 e pela primeira vez desde janeiro do ano passado ficou abaixo do nível 50, a linha divisória entre a confiança e a desconfiança. Os dados componentes do Icei resultam de uma pesquisa realizada mensalmente pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). 

O humor dos empresários industriais, simbolizado pelo indicador, começou a piorar em 2012, em 2014 foi para baixo da linha de 50 pontos e atingiu o nível mínimo, inferior a 38, em 2015, no fim do primeiro ano da recessão. O Icei acompanhou de perto a deterioração da atividade industrial e esse retrospecto o recomenda como informação confiável. 

O setor começou a derrapar na metade inicial do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, bem antes, portanto, da contração geral da economia, registrada oficialmente a partir de 2015. A desconfiança começou a diminuir em 2016, oscilou, e desde o começo de 2017 o índice esteve sempre acima da linha de indiferença. No segundo semestre do ano passado e no começo deste ano chegou a manter-se acima de 54,7 pontos, média histórica da série. Declinou desde o começo de 2018 e a queda acelerou-se de maio para junho.

Nem sequer a reação dos negócios em abril, depois de um primeiro trimestre fraco, foi suficiente para mudar a trajetória descendente da confiança. Em maio a queda acentuou-se. Nada mais compreensível. Com a paralisação do transporte rodoviário, a produção foi prejudicada pela falta de insumos – matérias-primas e produtos intermediários. Algumas empresas deram férias coletivas de alguns dias. Também foi afetada a entrega de produtos acabados, com danos para a comercialização em todos os segmentos, até o varejo. 

Sem surpresa, a medida de confiança relativa às condições atuais, um dos dois componentes principais do Icei, refletiu mais fortemente a crise no transporte. Esse indicador caiu 7,7 pontos, de 50,1 para 42,4, na passagem de maio para junho. O outro grande componente, o índice de expectativas (com referência aos seis meses seguintes) declinou em ritmo pouco menos intenso, de 58,2 para 53,2, com perda, portanto, de 5 pontos. 

Mas a permanência acima do nível 50 é um dado menos positivo do que pode parecer. Esse índice é formado por dois itens, um relativo à expectativa em relação à própria empresa, outro referente à expectativa quanto à economia brasileira. O primeiro, como ocorre com frequência, teve a variação menos negativa e caiu de 60,3 pontos para 56,6. Continuou, portanto, denotando confiança. O outro teve um tombo de 54,1 para 46,6 pontos. Além de mais ampla, essa queda levou o indicador para a área das expectativas desfavoráveis. Se o cenário permanecer obscuro, os valores dos dois itens poderão convergir nos próximos meses, ambos em território negativo. 

Até agora, a confiança do empresariado industrial foi derrubada principalmente pelos efeitos imediatos da interrupção do transporte rodoviário e pela insegurança criada pela solução tentada pelo governo. A resposta oficial inclui, além do subsídio ao diesel, uma tabela de fretes, com efeito semelhante ao da constituição de um cartel – no caso, um cartel chapa-branca. Mas falta verificar os desdobramentos da ação dos transportadores e da reação do governo. Essa reação inclui também uma complicação adicional do quadro das finanças públicas, com a criação de um subsídio agora estimado em mais de R$ 15 bilhões. 

O cenário será afetado também, de forma relevante, pela campanha eleitoral e pelo comportamento dos congressistas. A incerteza política corrói a confiança empresarial desde o início de 2018. A crise do transporte e seus desdobramentos políticos e econômicos tornam mais sinistro o caminho já sombrio até o fim do ano (O Estado de S.Paulo, 21/6/18)