03/09/2025

União Brasil e PP decidem deixar governo Lula e apoiar anistia a Bolsonaro

União Brasil e PP decidem deixar governo Lula e apoiar anistia a Bolsonaro

Ciro Nogueira e Antonio Rueda da Federação União Progressista

 

Federação determina saída de filiados em até 30 dias; ministros de Alcolumbre devem ser preservados.

 

As cúpulas dos partidos União Brasil e PP anunciaram nesta terça-feira (2) dois movimentos que têm implicações sobre a relação com o governo Lula (PT): a decisão de deixar ministérios ocupados por políticos com mandato e o apoio à anistia de Jair Bolsonaro (PL).

 

Os dois partidos afirmaram que todos os "detentores de mandatos" devem sair do governo até o dia 30 de setembro, sob pena de serem expulsos. Isso significa que deverão deixar os cargos os ministros André Fufuca (Esporte) e Celso Sabino (Turismo), deputados federais licenciados pelo PP e pelo União Brasil, respectivamente.

 

Dirigentes das duas legendas têm se distanciado de Lula e passaram a demonstrar simpatia por uma candidatura presidencial de Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo.

 

As duas legendas, que compõem a federação União Progressista, também decidiram apoiar um projeto de anistia a Bolsonaro. O anúncio ocorreu no mesmo dia do início do julgamento do ex-presidente. A ideia, segundo pessoas que acompanham as conversas, é que essa anistia seja geral para todos os envolvidos nos ataques golpistas do 8 de Janeiro, mas mantenha a inelegibilidade de Bolsonaro.

 

Os presidentes das duas legendas, Antonio Rueda (União Brasil) e Ciro Nogueira (PP-PI), se reuniram na manhã desta terça com aliados para tratar do tema e fizeram anúncio à imprensa nesta tarde, em pronunciamento de menos de três minutos.

 

Rueda leu nota que afirma que todos os "detentores de mandatos" do União Brasil e do PP devem renunciar a qualquer função que ocupem no governo federal. Caso eles sejam dirigentes partidários em seus estados, "haverá o afastamento em ato contínuo".

 

Além disso, se não deixarem o governo, poderão sofrer "punições disciplinares previstas no estatuto". "Essa decisão representa um gesto de clareza e de coerência. É isso que o povo brasileiro e eleitores exigem de seus representantes", disse Rueda.

 

A decisão, no entanto, abre brecha para a permanência no governo de pessoas indicadas por políticos desses partidos. O pronunciamento lido por Rueda fala em "detentores de mandatos". O União Brasil tem apadrinhados em mais dois ministérios: Waldez Góes (Desenvolvimento Regional) e Frederico de Siqueira Filho (Comunicações).

 

Os dois chegaram aos cargos pelas mãos do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), considerado um dos principais aliados do Planalto no Congresso atualmente, e deverão continuar nas pastas. Alcolumbre também indicou o nome do presidente da Codevasf, Lucas Felipe de Oliveira.

 

O PP tem o comando da Caixa Econômica Federal, com Carlos Vieira. Ele foi indicado pelo ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) e também deverá permanecer no cargo, assim como alguns vice-presidentes apoiados pelo centrão.

 

O líder do PP na Câmara, Doutor Luizinho (RJ), disse que a federação não comunicou a decisão ao governo. Ao ser questionado se havia procurado a ministra Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais), responsável pela relação do Executivo com Legislativo, ele disse que não é funcionário da ministra e, portanto, não tinha essa obrigação.

 

"Não tenho que comunicar à Gleisi, não sou funcionária dela. Não sou funcionário dela e não tenho nenhum cargo indicado na Caixa, então estou tranquilo também", disse Luizinho.

 

O líder do União Brasil na Câmara, Pedro Lucas (MA), afirmou que a federação também apoiará a anistia, inclusive de Bolsonaro. Nesta terça, o presidente da casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que a pressão para votar a proposta aumentou e admitiu a possibilidade de incluí-la na pauta.

 

Ao ser questionado se esse projeto poderá reverter a inelegibilidade do ex-presidente, Pedro Lucas afirmou que esse ponto ainda será definido na proposta a ser apresentada. Partidos do centrão, incluindo União Brasil e PP, apoiam uma anistia, mas são favoráveis a uma candidatura presidencial de Tarcísio, com o apoio de Bolsonaro.

 

No Senado, os dois partidos se posicionaram contra o governo na votação da PEC (proposta de emenda à Constituição) que cria novas regras para os precatórios. O texto incluiu um dispositivo que permite ao governo federal um gasto extra de R$ 12,4 bilhões em 2026, ano das eleições. Apesar desses votos contrários, a proposta foi aprovada.

 

Em publicação nas redes, Gleisi disse que o governo respeita a decisão da federação, mas cobrou que todos que tiverem indicado aliados para cargos na gestão federal, independentemente de terem mandato ou não, devem ter compromisso com Lula e votar com o Planalto em projetos prioritários.

 

"Quem permanecer deve ter compromisso com o presidente Lula e com as pautas principais que este governo defende, como justiça tributária, a democracia e o estado de direito, nossa soberania. Precisam trabalhar conosco para aprovação das pautas do governo no Congresso Nacional. Isso vale para quem tem mandato e para quem não tem mandato, inclusive para aqueles que indicam pessoas para posições no governo, seja na administração direta, indireta ou regionais", disse.

 

O líder do PT, Lindbergh Farias (PT), atribuiu o avanço da anistia, o que disse considerar um erro, à articulação de Tarcísio, que, segundo ele, "matou no peito" para consolidar sua candidatura presidencial junto ao centrão e ao bolsonarismo.

 

O petista disse ainda que a "a coisa ficou séria" e que houve uma "mudança de tom e de intensidade", indicando que a anistia deve ser analisada em plenário. "Cresceu um movimento com a presença do governador de São Paulo. [...] Me parece um desejo de pautar mesmo", disse.

 

A decisão do desembarque ocorre uma semana após o presidente da República ter cobrado fidelidade dos ministros do centrão em reunião ministerial e sugerido que eles deixassem o governo caso não se sentissem confortáveis em defender a gestão petista.

 

As declarações de Lula aumentaram a pressão interna pela saída —algo que já era defendido por Rueda e Ciro, mas encontrava resistência entre os integrantes das legendas pela entrega dos cargos. Além dos postos na Esplanada, as duas siglas têm indicados em cargos federais nos estados.

 

No encontro na semana passada, Lula se dirigiu aos ministros do União Brasil e do PP para cobrar que eles se posicionem durante atos de oposição organizados por seus partidos, citando o evento de homologação da federação União Progressista na semana passada que contou com a presença do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP). Tarcísio é apontado como possível adversário do petista na eleição presidencial no próximo ano.

 

As declarações geraram mal-estar entre integrantes dos dois partidos e levaram o vice-presidente do União Brasil, ACM Neto (BA), a pautar o desembarque do governo em reunião da executiva nacional da sigla prevista para ocorrer nesta quarta (3).

 

Segundo relatos, Ciro Nogueira também se queixou a aliados do que enxergou ser atuação do governo federal por trás de ataques que ele recebeu nas redes sociais nos últimos dias buscando associá-lo a alvos de megaoperação contra o crime organizado deflagrada na última semana.

 

Nos últimos dias, tanto Fufuca quanto Sabino pediram ajuda a aliados para tentar distensionar o clima e evitar a saída deles do governo. Isso porque os dois têm pretensões de concorrer ao Senado no próximo ano e planejavam ter o apoio de Lula (Fufuca pelo Maranhão e Sabino pelo Pará). Os dois foram indicados à Esplanada pela bancada dos respectivos partidos.

 

Apesar de comandar os quatro ministérios e a Caixa, União Brasil e PP têm atuado fortemente pela escolha de Tarcísio para concorrer à Presidência no próximo ano.

 

O possível desembarque das duas legendas tem potencial de ampliar a instabilidade do Executivo no Congresso, num momento em que o Planalto aposta na aprovação de projetos para reverter queda de popularidade da gestão petista. Nesse cenário, o governo veria reduzida sua base oficial para 259 deputados, apenas dois a mais do que a metade, agravando o atual cenário de dificuldades no Congresso (Folha, 3/9/25)