31/01/2023

Zerar desmatamento na Amazônia e no cerrado pode gerar ganho de R$ 1,2 tri

Fumaça de incêndio na Floresta Amazônica perto de Porto Velho. Foto Reuters

 incêndio na Floresta Amazônica. Foto Reuters

 

Compromisso de Lula para 2030 terá impacto positivo no PIB mundial, caso se consolide guinada após política de Bolsonaro.

Zerar o desmatamento na Amazônia e no cerrado até 2030, como o Brasil se propõe a fazer, pode gerar um ganho de até US$ 240 bilhões (R$ 1,2 trilhão) para o PIB (Produto Interno Bruto) mundial.

Os cálculos são do pesquisador do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas) e economista sênior da LCA Consultores, Bráulio Borges, e consideram tanto o aumento da emissão de gases do efeito estufa por conta das queimadas quanto a redução da floresta, o que reduz a absorção de carbono.

Ele afirma que segue a lógica do CSC (Custo Social do Carbono). O cálculo envolve a estimativa dos impactos causados pelas mudanças climáticas, como danos causados à saúde humana e ao meio ambiente, e os custos para remediá-los.

Um menor aquecimento global, por exemplo, significaria desde menos gastos com energia para ar-condicionado até uma elevação menor do nível dos oceanos (que pode desvalorizar imóveis nas regiões litorâneas e até mesmo destruí-los) ou uma maior produtividade agrícola e do trabalho (neste último caso, por conta dos impactos sobre a saúde humana).

Segundo o economista, a queda do desmatamento nos dois primeiros governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a redução da emissão de gases de efeito estufa proporcionou, em valores atuais, um ganho de US$ 818 bilhões (R$ 4,2 trilhões) para a economia mundial entre 2003 e 2011, na comparação com um cenário em que os resultados de 2002 fossem mantidos.

Em contrapartida, o aumento do desmatamento e suas consequências na alta de emissão de gases de efeito estufa de 2019 a 2022, já durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), levaram a uma perda estimada em US$ 201 bilhões (cerca de R$ 1,02 trilhão, na comparação com a tendência em 2008 e com a estimativa para o ano passado).

Bráulio usou dados de emissões líquidas do Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa), do Observatório do Clima, e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) para desmatamento.

Para estimar os custos, foi usado o chamado CSC (Custo Social do Carbono) por tonelada adicional de CO2 (gás carbônico) despejada na atmosfera —de US$ 185 por tonelada em 2020 e chegando a US$ 226 em 2030.

Considerando uma trajetória linear de redução, a partir de 2027, os biomas sairiam do patamar de perdas e passariam a gerar ganhos para a economia mundial, que somam os US$ 240 bilhões.

Com desmatamentos zerados em ambos os biomas em 2030, a captura de GEE pelas florestas seria maior do que as emissões brutas por conta de desmatamentos e queimadas, explica o pesquisador.

Ele lembra que também é preciso considerar que os ganhos são diluídos no tempo —ou seja, não necessariamente se materializarão integralmente entre 2027 e 2030— e caso o desmatamento se mantenha zerado a partir de 2031, o ganho acumulado vai crescendo.

"Esses ganhos e perdas afetam a economia mundial ao longo de muitos anos, já que os gases de efeito estufa têm efeitos por séculos, e os ganhos e perdas são diluídos no tempo. Há cerca de cinco anos, era uma utopia, mas hoje está clara a maneira como o Brasil pode monetizar a preservação, por meio do mercado de crédito de carbono", diz Borges.

Em novembro do ano passado, ainda na condição de presidente eleito, Lula ressaltou em discurso na COP 27 (conferência para o clima), no Egito, que o combate às mudanças climáticas seria prioridade nos quatro anos de seu governo.

"Não há segurança climática para o mundo sem uma Amazônia protegida, não mediremos esforços para zerar o desmatamento e a degradação dos nossos biomas até 2030, da mesma forma que mais de 130 países se comprometeram ao assinar a declaração de Glasgow sobre as florestas", disse o petista.

"Vamos priorizar a luta contra o desmatamento em todos os nossos biomas. Durante os três primeiros anos [do governo Bolsonaro], o desmatamento na Amazônia teve um aumento de 73%, essa devastação ficará no passado", concluiu.

Borges avalia que a guinada na política ambiental, com a derrota de Bolsonaro em 2022, coincide com o avanço nas discussões sobre preservação ambiental, que o Brasil pode capitanear nos próximos anos.

Nesse cenário, o destaque que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, tem recebido e sua presença no Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), empresta ao país uma reputação bastante positiva em todo o mundo, avalia o economista.

"Já voltamos com o Fundo Amazônia, voltamos com o plano de combate ao desmatamento e já estamos recompondo orçamentos e equipes dos ministérios. O Brasil tem compromissos ambiciosos em relação a ser um país economicamente próspero, socialmente justo, politicamente democrático, culturalmente diverso e ambientalmente sustentável", disse Marina em Davos.

"Mas a gente precisa correr atrás, alguns resultados vão precisar ser entregues em breve e vai ser preciso estipular metas mais ousadas e um plano para cumprir essas regras", diz Borges, que destaca oportunidades na expansão do setor elétrico por meio de energia eólica e solar e definição de padrões de emissões.

Com a guinada na política ambiental, o Brasil também pode se beneficiar nos próximos anos da atração de capitais por meio de investidores que levam em conta a preservação ambiental. Além disso, o país pode evitar sanções aos produtos brasileiros e destravar o acordo entre Mercosul e União Europeia, conforme já sinalizado por líderes europeus.

"E podemos ganhar royalties para manter a floresta de pé e ganhar para reflorestar. O mercado de crédito de carbono está se tornando cada vez mais global. Se o Brasil reduzir a zero o desmatamento, vai ter um excedente em relação às metas e poderá exportar isso para outros países cumprirem as suas", diz Borges.

O pesquisador acrescenta que, embora efeitos do desmatamento sejam captáveis com mais clareza pelos economistas —como o aumento da criação de gado nos estados da Amazônia Legal ou da extração de madeira ilegal— há custos que o desmatamento gera e que são mais difíceis de captar, como o da redução do regime chuvas no Centro-Oeste e mesmo no Sudeste e Sul.

 

NÃO BASTA RETOMAR AGENDA, GOVERNO PRECISA AVANÇAR

Na avaliação de especialistas ouvidos pela Folha, o governo Lula começa com o desafio de retomar as políticas ambientais que tornaram o Brasil uma referência dos fóruns internacionais nas décadas passadas, mas precisa avançar na estratégia de proteção da floresta.

"É necessário ter um projeto de desenvolvimento sustentável para a região aliado à meta de reduzir o desmatamento. A Amazônia não está sendo cortada para dar lugar a uma produção agropecuária de alta qualidade: quase dois terços são de pasto de baixíssima produtividade, 10% de produção agrícola, e um quinto de vegetação secundária [de áreas abandonadas]", diz a economista da PUC-Rio Clarissa Gandour.

Em seu novo mandato, Lula precisará retomar o que já havia dado certo antes e investir em pontos que não tiveram tanto avanço, como os eixos de desenvolvimento sustentável e de ordenamento territorial, afirma.

"É preciso tocar na questão dos vazios fundiários, áreas que não estão cadastradas e que não têm função definida. Na questão da grilagem [tomada de terras de maneira ilegal], também se avançou pouco. Sem mexer no ordenamento territorial, não vai ter desmatamento zero", diz Gandour, que é coordenadora de Avaliação de Política Pública com foco em Conservação na CPI (Climate Policy Initiative).

 

A pesquisadora lembra que também é preciso olhar para os assentamentos da reforma agrária, que representam quase um quinto do que foi desmatado, é uma questão cheia de nuances, por tratar de famílias que precisam sobreviver e garantir a viabilidade de suas terras.

O Brasil pode ser sinônimo de superpotência de biodiversidade, na área ambiental tem indicadores que países desenvolvidos não têm. É campeão de biodiversidade, mas tem dificuldade de aceitar essa ideia, avalia Carlos Eduardo Young, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

"A fala do [vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços] Geraldo Alckmin, de instalar uma secretaria de economia verde, e de termos dentro do BNDES uma diretoria específica de economia verde ampliam a discussão para além do Ministério do Meio Ambiente. Vejo com felicidade que temos agora uma outra conjuntura."

O professor ressalta que a dependência que o Brasil criou da receita com a exportação do agronegócio e de recursos minerais ainda terá forte peso político para os próximos anos e é preciso considerar os desafios para a preservação ambiental nesse contexto.

"Mas agora vai haver de fato um debate e é preciso que o país tenha a percepção de que é muito melhor a gente crescer por meio de atividades que geram conservação ambiental e bem-estar para a população" (Folha de S.Paulo, 31/1/23)